Pequena Resenha Crítica
NOITE DOS PEREGRINOS
“Se eu pudesse eu abrir um buraco/
Metia os pés dentro, criava raiz/
Virava coqueiro, trepava em mim mesmo/
Colhia meus cocos, meus frutos, feliz”
Antonio Vieira
-Finalmente, num ano difícil (o pior ano de minha vida) acabei de ler o livro “A Noite dos Peregrinos”, romance de Henrique Bom, Editora Imagem Virtual, Ano 2008, 352 páginas. Muito interessante. Gostei da qualidade da obra, um romance historial bem diferenciado. Confesso que demorei para pegar no breu, entrar mesmo na história cheia de particularidades iniciais, detalhes próprios de uma história do estilo, inúmeros personagens indo e vindo, claro, dando base ao todo, com os tantos detalhes iniciais de suporte para o desenrolar de atos e fatos, mas depois peguei gosto mesmo, acabei de algum modo encantado com a leitura, certamente que belo fruto de estudos e pesquisas; Henrique Bon um médico proseador de fina sensibilidade, domínio da narrativa, pontuando ali os primórdios de um país em inicio de formação, dando-nos uma visão do que foram as primeiras levas de imigrações para o Brasil dos tempos em que a água bebia a onça.
O autor médico fez uma obra que nos dá uma exata e importante (e bela) visão específica de como foi a leva histórica da primeira imigração nos entremeios da escravatura em fase terminal, do meio pra frente a obra pega suporte, enredo e dinâmica narrativa, confere-se muito bem escrita, extremamente densa, daí é uma beleza até o final, cativando, surpreendendo, feito um talentoso trabalho de fôlego, certamente que um romance e tanto.
-Do currículo literário do autor, Henrique Bon pode se dizer que nasceu em Nova Friburgo, de um clã com raízes originárias na migração de 1819. Do trisavô Henri Bon, “cafeicultor nascido em Genève e falecido na serra fluminense, acabaria por herdar, além do nome de batismo, todo o acervo documental, conservado através dos anos em um armário de sua antiga fazenda, o que lhe impregnaria, desde a infância, das histórias relacionadas à migração”. Henrique Bon é formado em medicina pela Universidade Federal Fluminense, exerce a especialidade de Psiquiatria. Escreveu também os livros "O Único Olho de Lourenço Arribas (contos), "Imigrantes", (ensaio histórico sobre a migração). É ainda escultor em bronze, participando de individuais e coletivas no Rio de Janeiro, B rasília, Niterói, Nova Friburgo e Amsterdã.
Pois a “Noite dos Peregrinos” em suas contações mirabolantes diz da primeira imigração suíça para o Rio de Janeiro, gente que se fixou em Nova Friburgo, na época do Brasil metrópole, durante o primeiro e segundo impérios. De inicio o protagonista Henri Cougnard, luterano calvinista lotado ainda na terra natal de onde emigrará, a narrativa vai abundando dados, personagens, apurando a leitura e demorando a entrar nos feitios dos causos e sequenciais. O personagem principal é Cougnard, um jovem aventureiro de família pequeno-burguesa que sobrevive da fabricação dos famosos relógios e de religião calvinista, que resolve correr riscos e encarar a promovida empreita de “fazer a américa” no Brasil. De linguagem apurada, bonita, aqui e ali bem poética e meio que filofósica por assim dizer, muito humanista até, mais os dados de Helvécia e decursos no entorno da iniciação.
Quando os imigrantes peregrinos sonhadores estão nos pântanos de Mijl, personagens emergem, de Grandjean, o bruto, Porchat, o ex-combatente, Porcelet, o capitão puxa-saco, e muitos outros que acompanharão o Cougnard em sua sina. Depois o livro vira meio que uma excelente fábula; aqui e ali meio plantador de sonhos e acontecências, em busca de um paraíso na ameríndia ainda em fase inicial, com seus problemas, mais os percalços de viagem, onde a morte sim, a morte, é a personagem principal que, clandestina ou não, vai a viagem inteira ceifando almas viajosas. Que viagem é a morte? Que loucura é a vida? Viver não é pré pago?.
“...a partir de então Henri Cougnard decidiu que, para o bem ou para o mal, não abandonaria mais o grupo. Dormiria ao relento se preciso fosse., ou sobre o duro madeirame do barco. Não mais procuraria hotéis ou estalagens, para o seu conforto pessoal de burguês. Gradualmente convertia-se em um deles, e como em poucas vezes de sua curta existência, sentia estar vivo” (Pg 62)
No navio, entre outros em rotas pertinentes, finalmente assoma-se o personagem John Both, feito assim uma espécie de “lobo-do-mar” que se torna um amigo fiel de Cougnard, feito escudeiro de circunstancias. Suas entradas palavriais feitas ao “mão-verde” dão um colorido especial à narrativa, entre reminiscências da própria aventura, dos sofrimentos, das dificuldades que nunca abandonarão aquelas pessoas que se meteram numa espécie de aventura sem bilhete de retorno.
Cougnard sai da Suíça aos 21 anos de idade, passa a historia entre o presencial e as sofrências nauticas, e, rendido às saudades de pessoas que da terra-mãe a se distanciar, sofrendo os dezelos dessa espécie de exílio voluntário, entre mares de angústia, arraias miúdas do entorno, sargaços humanos, e, na bucólica e selvagem terra brasilis como todo mundo quer fazer fortuna, e assim, entre o bucólico e o pitoresco do selvagem e inóspito Brasil imperial, as tristices humanas, o homem explorando o homem, os coronelatos da igreja católica com seus deslizes, emocionando aqui e ali com a bruteza da vida ao deus-dará, dos homens brucutus, da igreja já decrépita e sem escrúpulos, entre escravos, a arraia miúda, fugidos, mestiços, índios, colonizadores sem escrúpulos, clarificando no romance o Brasil de então, não muito diferente do de hoje, já então de propriedades roubos, lucros impunes, riquezas injustas, como pregou São Lucas. Henrique Bon é sim, um ótimo romancista, inclusive de formação e linha ficcional; escreve muito bem, tem talento e lucidez fora de série, lançou um clássico, entre a liberdade de ficção e a realidade pesquisada, variantes de inteligência, conhecimento da causa e cultura no narrar com qualidade e estilo.
A Noite dos Peregrinos daria um filme e tanto, para a imaginação ser recompensada ao narrar essa imigração com grandezas, aventuras, riscos e conquistas, mais bravezas e contentezas, claro, como a própria viagem de existir.
-0-
BOX
A NOITE DOS PEREGRINOS – Romance, 352 páginas
Editora Imagem Virtual
Nova Friburgo, RJ – www.editoraimagemvirtual.com.br
Autor Henrique Bom
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Silas Correa Leite – Sampa/Santa Itararé das Artes
Teórico da Educação, Jornalista Comunitário, Conselheiro em Direitos Humanos, Poeta, Ficcionista, Resenhista, Ensaísta, pós-graduado em Literatura na Comunicação, USP
Prêmio Lygia Fagundes Telles Para professor Escritor
Autor de Porta-Lapsos, Poemas, e Campo de Trigo Com Corvos, Contos Premiados, Finalista do Prêmio Telecom, Portugal, ambos à venda no site www.livrariacultura.com.br
E-mail: poesilas@terra.com.br
Blogue premiado do UOL: www.portas-lapsos.zip.net
NOITE DOS PEREGRINOS
“Se eu pudesse eu abrir um buraco/
Metia os pés dentro, criava raiz/
Virava coqueiro, trepava em mim mesmo/
Colhia meus cocos, meus frutos, feliz”
Antonio Vieira
-Finalmente, num ano difícil (o pior ano de minha vida) acabei de ler o livro “A Noite dos Peregrinos”, romance de Henrique Bom, Editora Imagem Virtual, Ano 2008, 352 páginas. Muito interessante. Gostei da qualidade da obra, um romance historial bem diferenciado. Confesso que demorei para pegar no breu, entrar mesmo na história cheia de particularidades iniciais, detalhes próprios de uma história do estilo, inúmeros personagens indo e vindo, claro, dando base ao todo, com os tantos detalhes iniciais de suporte para o desenrolar de atos e fatos, mas depois peguei gosto mesmo, acabei de algum modo encantado com a leitura, certamente que belo fruto de estudos e pesquisas; Henrique Bon um médico proseador de fina sensibilidade, domínio da narrativa, pontuando ali os primórdios de um país em inicio de formação, dando-nos uma visão do que foram as primeiras levas de imigrações para o Brasil dos tempos em que a água bebia a onça.
O autor médico fez uma obra que nos dá uma exata e importante (e bela) visão específica de como foi a leva histórica da primeira imigração nos entremeios da escravatura em fase terminal, do meio pra frente a obra pega suporte, enredo e dinâmica narrativa, confere-se muito bem escrita, extremamente densa, daí é uma beleza até o final, cativando, surpreendendo, feito um talentoso trabalho de fôlego, certamente que um romance e tanto.
-Do currículo literário do autor, Henrique Bon pode se dizer que nasceu em Nova Friburgo, de um clã com raízes originárias na migração de 1819. Do trisavô Henri Bon, “cafeicultor nascido em Genève e falecido na serra fluminense, acabaria por herdar, além do nome de batismo, todo o acervo documental, conservado através dos anos em um armário de sua antiga fazenda, o que lhe impregnaria, desde a infância, das histórias relacionadas à migração”. Henrique Bon é formado em medicina pela Universidade Federal Fluminense, exerce a especialidade de Psiquiatria. Escreveu também os livros "O Único Olho de Lourenço Arribas (contos), "Imigrantes", (ensaio histórico sobre a migração). É ainda escultor em bronze, participando de individuais e coletivas no Rio de Janeiro, B rasília, Niterói, Nova Friburgo e Amsterdã.
Pois a “Noite dos Peregrinos” em suas contações mirabolantes diz da primeira imigração suíça para o Rio de Janeiro, gente que se fixou em Nova Friburgo, na época do Brasil metrópole, durante o primeiro e segundo impérios. De inicio o protagonista Henri Cougnard, luterano calvinista lotado ainda na terra natal de onde emigrará, a narrativa vai abundando dados, personagens, apurando a leitura e demorando a entrar nos feitios dos causos e sequenciais. O personagem principal é Cougnard, um jovem aventureiro de família pequeno-burguesa que sobrevive da fabricação dos famosos relógios e de religião calvinista, que resolve correr riscos e encarar a promovida empreita de “fazer a américa” no Brasil. De linguagem apurada, bonita, aqui e ali bem poética e meio que filofósica por assim dizer, muito humanista até, mais os dados de Helvécia e decursos no entorno da iniciação.
Quando os imigrantes peregrinos sonhadores estão nos pântanos de Mijl, personagens emergem, de Grandjean, o bruto, Porchat, o ex-combatente, Porcelet, o capitão puxa-saco, e muitos outros que acompanharão o Cougnard em sua sina. Depois o livro vira meio que uma excelente fábula; aqui e ali meio plantador de sonhos e acontecências, em busca de um paraíso na ameríndia ainda em fase inicial, com seus problemas, mais os percalços de viagem, onde a morte sim, a morte, é a personagem principal que, clandestina ou não, vai a viagem inteira ceifando almas viajosas. Que viagem é a morte? Que loucura é a vida? Viver não é pré pago?.
“...a partir de então Henri Cougnard decidiu que, para o bem ou para o mal, não abandonaria mais o grupo. Dormiria ao relento se preciso fosse., ou sobre o duro madeirame do barco. Não mais procuraria hotéis ou estalagens, para o seu conforto pessoal de burguês. Gradualmente convertia-se em um deles, e como em poucas vezes de sua curta existência, sentia estar vivo” (Pg 62)
No navio, entre outros em rotas pertinentes, finalmente assoma-se o personagem John Both, feito assim uma espécie de “lobo-do-mar” que se torna um amigo fiel de Cougnard, feito escudeiro de circunstancias. Suas entradas palavriais feitas ao “mão-verde” dão um colorido especial à narrativa, entre reminiscências da própria aventura, dos sofrimentos, das dificuldades que nunca abandonarão aquelas pessoas que se meteram numa espécie de aventura sem bilhete de retorno.
Cougnard sai da Suíça aos 21 anos de idade, passa a historia entre o presencial e as sofrências nauticas, e, rendido às saudades de pessoas que da terra-mãe a se distanciar, sofrendo os dezelos dessa espécie de exílio voluntário, entre mares de angústia, arraias miúdas do entorno, sargaços humanos, e, na bucólica e selvagem terra brasilis como todo mundo quer fazer fortuna, e assim, entre o bucólico e o pitoresco do selvagem e inóspito Brasil imperial, as tristices humanas, o homem explorando o homem, os coronelatos da igreja católica com seus deslizes, emocionando aqui e ali com a bruteza da vida ao deus-dará, dos homens brucutus, da igreja já decrépita e sem escrúpulos, entre escravos, a arraia miúda, fugidos, mestiços, índios, colonizadores sem escrúpulos, clarificando no romance o Brasil de então, não muito diferente do de hoje, já então de propriedades roubos, lucros impunes, riquezas injustas, como pregou São Lucas. Henrique Bon é sim, um ótimo romancista, inclusive de formação e linha ficcional; escreve muito bem, tem talento e lucidez fora de série, lançou um clássico, entre a liberdade de ficção e a realidade pesquisada, variantes de inteligência, conhecimento da causa e cultura no narrar com qualidade e estilo.
A Noite dos Peregrinos daria um filme e tanto, para a imaginação ser recompensada ao narrar essa imigração com grandezas, aventuras, riscos e conquistas, mais bravezas e contentezas, claro, como a própria viagem de existir.
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BOX
A NOITE DOS PEREGRINOS – Romance, 352 páginas
Editora Imagem Virtual
Nova Friburgo, RJ – www.editoraimagemvirtual.com.br
Autor Henrique Bom
-0-
Silas Correa Leite – Sampa/Santa Itararé das Artes
Teórico da Educação, Jornalista Comunitário, Conselheiro em Direitos Humanos, Poeta, Ficcionista, Resenhista, Ensaísta, pós-graduado em Literatura na Comunicação, USP
Prêmio Lygia Fagundes Telles Para professor Escritor
Autor de Porta-Lapsos, Poemas, e Campo de Trigo Com Corvos, Contos Premiados, Finalista do Prêmio Telecom, Portugal, ambos à venda no site www.livrariacultura.com.br
E-mail: poesilas@terra.com.br
Blogue premiado do UOL: www.portas-lapsos.zip.net
Estou lendo A noite dos Peregrinos e já estou na página 273 realmente muito bom aprender História contada assim.parabéns Henrique.
ResponderExcluirOps, Ren. Passei hoje aqui por acaso e com grande atraso ví suas palavras gentis à respeito de meu livro. Sinto-me honrado, assim como agradecido ao Silas pela elogiosa resenha.
ExcluirUm grande abraço!
Henrique... lendo a sinopse de seu livro,
ResponderExcluirdeu para ter uma boa noção do que se trata.
Parabéns e espero poder ler e dizer brevemente: 'Henrique, viajei com seu livro'
Sucesso nas vendagens!
Verluci Almeida
Será uma honra, amiga Verluci.
ExcluirObrigado!
Henrique, gostaria de saber onde adquirir o livro A Noite dos Peregrinos. Sou sua prima, temos o mesmo trisavô. Sou bisneta de Carlota Elisa Bon Robadey. Desejo-lhe sucesso.
ResponderExcluirBom, prima Maria Alice,
ExcluirA livraria Guttemberg, de Niterói ainda possui alguns exemplares.
Grande abraço e obrigado!