Editores esnobam Machado de Assis
Esdras do Nascimento
A reportagem da Folha de S.Paulo enviou, pelo correio, a seis editoras uma novela de Machado de Assis, pouco conhecida, intitulada Casa Velha. Como autor, constava um nome desconhecido. Os originais, impressos em computador, estavam encadernados com espirais, o endereço do autor era um hotmail do correio eletrônico, criado especificamente para isso. Seis meses depois, a Companhia das Letras, a Objetiva e a Rocco responderam dizendo que não tinham interesse no livro. A Record, a L&PM e a Ediouro não responderam nem acusaram recebimento. Nenhuma delas reconheceu que se tratava de um texto de Machado de Assis.
A Editora Objetiva recebeu 547 originais em 1998. Isa Pessoa, responsável pela seleção de textos, disse que pelos menos vinte páginas de cada livro são lidas para avaliação. Além de duas pessoas que se dedicam a esse trabalho, na editora, também são usados colaboradores de fora.
Vivian Wyler, gerente editorial da Rocco, disse que recebe quarenta originais por mês, havendo períodos em que esse número chega a oitenta. Três funcionários fazem a primeira leitura. Quando o livro interessa, é submetido a uma segunda e a uma terceira opiniões de leitores que têm, no mínimo, mestrado em literatura.
A Companhia das Letras recebe por mês cem originais em português, que são avaliados por sete pessoas e, eventualmente, submetidos a pareceristas especializados.
Na opinião da gerente editorial da Objetiva, "estilos também envelhecem. Uma coisa é o autor dentro de seu contexto literário e político. Outra, é ele hoje. (Casa Velha)... não cativa, não está dentro do que estamos buscando, não tem empatia com o leitor brasileiro de 1999".
Vivian Wyler, da Rocco, afirmou que "o problema é de mercado mesmo. A pessoa que avaliou o livro disse que, de cara, pesou o fato de parecer uma novela histórica, gênero que teve um boom há alguns anos. Só para 99 já contratamos três livros assim, sendo que dois são exatamente desse período. Julgamos que o autor imitava um estilo antigo, o que é complicado para o leitor de hoje, às vezes, um empecilho. A linguagem é um pouco rebuscada".
Ruth Lanna, da Companhia das Letras, informou: "Fui procurar os registros e encontrei a entrada desses originais e também a saída, mas não a avaliação. Não sei dizer os motivos. Mas afirmo que o texto enviado foi analisado. Se você recebeu uma carta de recusa, é por que ele passou nas mãos de um leitor aqui dentro".
Como informa a reportagem da Folha, Casa Velha foi publicado pela primeira vez entre 1885 e 1886, dividido em 25 episódios, na revista para senhoras A Estação: "O romance é ambientado no Rio de Janeiro, em 1839. A dona de uma casa oligárquica quer impedir que seu filho se case com uma de suas protegidas. Para ajudá-la, chama um padre, que mais tarde narrará esses eventos ao leitor".
Lúcia Miguel Pereira foi a responsável pela publicação de Casa Velha em livro, pela primeira vez em 1944. Machado de Assis, ao contrário do que fez com a maioria dos seus outros trabalhos escritos para jornais e revistas, não reuniu os episódios para editá-los num volume. Isso não quer dizer, porém, que se trate de obra menor, insignificante, de Machado. Nem, tampouco, que seja uma obra-prima, simplesmente por ter sido escrita por ele. Quem estiver interessado em conhecer essa novela de Machado poderá encontrá-la no volume II das suas obras completas editadas pela Nova Aguilar.
Tempos atrás, num concurso de contos, no Rio, Sagarana, de Guimarães Rosa, perdeu para uma coletânea de histórias curtas assinada por Luís Jardim. Na comissão julgadora, voto decisivo, estava mestre Graciliano Ramos. Na França, André Gide mandou devolver os originais de Em busca do tempo perdido, de Proust, por considerá-los ilegíveis.
Em 1959, Umberto Eco escreveu uma bem-humorada coluna mensal de paródias para um jornal literário italiano. Essas paródias foram reunidas em livro em 1960, em dois volumes. Um dos capítulos foi intitulado "Infelizmente, estamos devolvendo o seu...". Reunia textos imaginários de avaliadores de originais sobre textos oferecidos aos editores por seus autores ou agentes:
* A BÍBLIA, anônimo – As primeiras centenas de páginas deste manuscrito realmente me fisgaram. Cheias de ação, elas têm tudo o que os leitores de hoje querem numa boa história. Sexo (aos montes, incluindo adultério, sodomia, incesto), assassinatos, guerras, massacres e por aí vai. O capítulo de Sodoma e Gomorra, com os travestis dando forma aos anjos, é digno de Rabelais; as histórias de Noé são puro Júlio Verne; a fuga do Egito merece uma grande produção cinematográfica. Em outras palavras, uma verdadeira bomba, bem estruturada, cheia de ginga, plena de invenção. Mas, à medida que continuei lendo, entendi que o manuscrito é na verdade uma antologia, envolvendo diversos escritores, com muitas, muitas mesmo, passagens de poesia, outras partes enjoativas e tediosas, e lamúrias que não fazem sentido. O resultado final é uma antologia monstruosa. Parece ter um pouco de todo mundo, mas termina apelando para ninguém. E adquirir os direitos de todos esses diferentes autores vai significar grandes dores de cabeça, a menos que o editor cuide disso ele mesmo. O nome do editor, a propósito, não aparece em nenhum lugar do manuscrito. Há alguma razão para manter sua identidade em segredo? Eu sugeriria comprar os direitos apenas dos primeiros cinco capítulos. Neles estamos pisando firme. Também se poderia pensar num título melhor. Que tal Os desesperados do Mar Vermelho?
* A ODISSÉIA, de Homero – Pessoalmente, gosto deste livro. Uma boa trama, excitante, embrulhada em aventura. Grandes momentos dramáticos, um gigante de um olho só, canibais, até algumas drogas – mas nada ilegal, porque até onde sei o lótus não está na lista do Departamento de Narcóticos. A cena final segue a melhor tradição do western, com algumas lutas pesadas, e a história com o arco é um golpe de mestre de suspense. O tom é calmo e ponderado, sem ser pesado. E a montagem, o uso de flashbacks, as histórias dentro de histórias... Em poucas palavras, este Homero é a coisa certa. Inteligente demais, talvez, comparado ao seu primeiro livro. Eu imagino se é realmente dele este trabalho. Sei, é claro, que um autor pode se aperfeiçoar com a experiência, mas o que me causa um certo desconforto – e, finalmente, me leva a dar um voto negativo – é a confusão que a questão dos direitos vai causar. Em primeiro lugar, o autor não é encontrado em lugar algum. As pessoas que o conhecem dizem que sempre foi difícil discutir qualquer mudança a ser feita no texto, porque ele era tão cego quanto um morcego, não conseguia encontrar o próprio manuscrito, e até dava a impressão de que não estava completamente familiarizado com ele. Será que realmente escreveu o livro ou apenas o assinou?
* A DIVINA COMÉDIA, de Dante Alighieri – Alighieri é um típico escritor de domingo. Seu trabalho mostra um inegável domínio da técnica e um considerável faro narrativo. O livro, no dialeto florentino, consiste de cerca de uma centena de capítulos rimados, e muito de seu conteúdo é interessante e de boa leitura. Eu particularmente gostei das descrições de astronomia e de certas noções teológicas concisas e provocativas. A terceira parte do livro é a melhor e terá o maior apelo; envolve assuntos de interesse geral, concernentes ao leitor comum – salvação, a visão beatífica, adoradores da Virgem. Mas a primeira parte é obscura e auto-indulgente, com passagens de erotismo barato, violência e crueza absoluta. Mas o grande inconveniente é a opção do autor por seu dialeto (inspirado sem dúvida por alguma idéia de vanguarda).
* EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO, de Marcel Proust – Este é um trabalho indubitavelmente sério, talvez longo demais. Poderia vender como uma série, mas não deveria ser publicado como está. Precisa de um trabalho editorial sério. Por exemplo, a pontuação deve ser refeita. As sentenças são muito elaboradas; alguma tomam uma página inteira. Bem trabalhado, reduzindo cada sentença para um máximo de duas ou três linhas, quebrando os parágrafos, o livro seria aceito. Se o autor não concordar, então esqueça. Como está, o livro é muito – qual é a palavra? – asmático.
* CRÍTICA DA RAZÃO PRÁTICA, de Immanuel Kant – É um pequeno e razoável livro sobre moralidade, que poderia se adaptar perfeitamente às nossas séries filosóficas, e poderia até ser adotado por algumas universidades. Mas o editor alemão diz que, se nós o comprarmos, teremos que nos comprometer não apenas com o livro anterior do autor, que é uma coisa imensa em no mínimo dois volumes, mas também com aquele no qual está trabalhando agora, sobre arte ou sobre julgamento, não tenho certeza. Todos os três livros têm mais ou menos o mesmo título, logo teriam que ser vendidos num pacote (e a um preço que nenhum leitor poderia recusar); de outra maneira, os ratos de livrarias poderiam confundir um com o outro e pensar "já li isso antes".
* O PROCESSO, de Franz Kafka – Um pequeno e agradável livro. Um thriller com alguns toques de Hitchcock. O assassinato final, por exemplo. Poderia ter algum público. Mas aparentemente o autor escreveu sobre um regime de censura pesada. Se não, por que todas essas vagas referências, esse truque de não dar nome a pessoas ou lugares? E por que o protagonista é colocado em xeque? Se esclarecermos esses pontos, o suspense ficará garantido. Escritores genuínos devem ter em mente as cinco questões básicas dos velhos jornalistas: quem? o quê? quando? onde? como? por quê? Se pudermos ter mão livre na edição, eu diria: compre-o. Se não, não.
* FINNEGANS WAKE, de James Joyce – Por favor, diga ao editor para ser mais cuidadoso ao distribuir livros aos analistas de textos. Eu sou leitor de língua inglesa, e vocês me mandaram um livro escrito em alguma outra língua remota. Estou devolvendo-o em pasta separada.
De toda essa história polêmica, fica a constatação de que três editoras das mais importantes do país sequer acusaram recebimento de originais recebidos. Essa prática é comum. E deixa alucinados os autores, que entram muitas vezes em paranóia escrevendo cartas, enviando faxes e e-mails e telefonando às editoras, no esforço inútil de tentar saber o que foi feito dos seus livros e se eles serão publicados ou não. Raramente recebem respostas. Nem mesmo a gentileza de um telefonema. Os gerentes editoriais, com raras exceções, tornam-se inacessíveis. Sonhando talvez com o dia em que haverá livros sem autores.
Esdras do Nascimento
A reportagem da Folha de S.Paulo enviou, pelo correio, a seis editoras uma novela de Machado de Assis, pouco conhecida, intitulada Casa Velha. Como autor, constava um nome desconhecido. Os originais, impressos em computador, estavam encadernados com espirais, o endereço do autor era um hotmail do correio eletrônico, criado especificamente para isso. Seis meses depois, a Companhia das Letras, a Objetiva e a Rocco responderam dizendo que não tinham interesse no livro. A Record, a L&PM e a Ediouro não responderam nem acusaram recebimento. Nenhuma delas reconheceu que se tratava de um texto de Machado de Assis.
A Editora Objetiva recebeu 547 originais em 1998. Isa Pessoa, responsável pela seleção de textos, disse que pelos menos vinte páginas de cada livro são lidas para avaliação. Além de duas pessoas que se dedicam a esse trabalho, na editora, também são usados colaboradores de fora.
Vivian Wyler, gerente editorial da Rocco, disse que recebe quarenta originais por mês, havendo períodos em que esse número chega a oitenta. Três funcionários fazem a primeira leitura. Quando o livro interessa, é submetido a uma segunda e a uma terceira opiniões de leitores que têm, no mínimo, mestrado em literatura.
A Companhia das Letras recebe por mês cem originais em português, que são avaliados por sete pessoas e, eventualmente, submetidos a pareceristas especializados.
Na opinião da gerente editorial da Objetiva, "estilos também envelhecem. Uma coisa é o autor dentro de seu contexto literário e político. Outra, é ele hoje. (Casa Velha)... não cativa, não está dentro do que estamos buscando, não tem empatia com o leitor brasileiro de 1999".
Vivian Wyler, da Rocco, afirmou que "o problema é de mercado mesmo. A pessoa que avaliou o livro disse que, de cara, pesou o fato de parecer uma novela histórica, gênero que teve um boom há alguns anos. Só para 99 já contratamos três livros assim, sendo que dois são exatamente desse período. Julgamos que o autor imitava um estilo antigo, o que é complicado para o leitor de hoje, às vezes, um empecilho. A linguagem é um pouco rebuscada".
Ruth Lanna, da Companhia das Letras, informou: "Fui procurar os registros e encontrei a entrada desses originais e também a saída, mas não a avaliação. Não sei dizer os motivos. Mas afirmo que o texto enviado foi analisado. Se você recebeu uma carta de recusa, é por que ele passou nas mãos de um leitor aqui dentro".
Como informa a reportagem da Folha, Casa Velha foi publicado pela primeira vez entre 1885 e 1886, dividido em 25 episódios, na revista para senhoras A Estação: "O romance é ambientado no Rio de Janeiro, em 1839. A dona de uma casa oligárquica quer impedir que seu filho se case com uma de suas protegidas. Para ajudá-la, chama um padre, que mais tarde narrará esses eventos ao leitor".
Lúcia Miguel Pereira foi a responsável pela publicação de Casa Velha em livro, pela primeira vez em 1944. Machado de Assis, ao contrário do que fez com a maioria dos seus outros trabalhos escritos para jornais e revistas, não reuniu os episódios para editá-los num volume. Isso não quer dizer, porém, que se trate de obra menor, insignificante, de Machado. Nem, tampouco, que seja uma obra-prima, simplesmente por ter sido escrita por ele. Quem estiver interessado em conhecer essa novela de Machado poderá encontrá-la no volume II das suas obras completas editadas pela Nova Aguilar.
Tempos atrás, num concurso de contos, no Rio, Sagarana, de Guimarães Rosa, perdeu para uma coletânea de histórias curtas assinada por Luís Jardim. Na comissão julgadora, voto decisivo, estava mestre Graciliano Ramos. Na França, André Gide mandou devolver os originais de Em busca do tempo perdido, de Proust, por considerá-los ilegíveis.
Em 1959, Umberto Eco escreveu uma bem-humorada coluna mensal de paródias para um jornal literário italiano. Essas paródias foram reunidas em livro em 1960, em dois volumes. Um dos capítulos foi intitulado "Infelizmente, estamos devolvendo o seu...". Reunia textos imaginários de avaliadores de originais sobre textos oferecidos aos editores por seus autores ou agentes:
* A BÍBLIA, anônimo – As primeiras centenas de páginas deste manuscrito realmente me fisgaram. Cheias de ação, elas têm tudo o que os leitores de hoje querem numa boa história. Sexo (aos montes, incluindo adultério, sodomia, incesto), assassinatos, guerras, massacres e por aí vai. O capítulo de Sodoma e Gomorra, com os travestis dando forma aos anjos, é digno de Rabelais; as histórias de Noé são puro Júlio Verne; a fuga do Egito merece uma grande produção cinematográfica. Em outras palavras, uma verdadeira bomba, bem estruturada, cheia de ginga, plena de invenção. Mas, à medida que continuei lendo, entendi que o manuscrito é na verdade uma antologia, envolvendo diversos escritores, com muitas, muitas mesmo, passagens de poesia, outras partes enjoativas e tediosas, e lamúrias que não fazem sentido. O resultado final é uma antologia monstruosa. Parece ter um pouco de todo mundo, mas termina apelando para ninguém. E adquirir os direitos de todos esses diferentes autores vai significar grandes dores de cabeça, a menos que o editor cuide disso ele mesmo. O nome do editor, a propósito, não aparece em nenhum lugar do manuscrito. Há alguma razão para manter sua identidade em segredo? Eu sugeriria comprar os direitos apenas dos primeiros cinco capítulos. Neles estamos pisando firme. Também se poderia pensar num título melhor. Que tal Os desesperados do Mar Vermelho?
* A ODISSÉIA, de Homero – Pessoalmente, gosto deste livro. Uma boa trama, excitante, embrulhada em aventura. Grandes momentos dramáticos, um gigante de um olho só, canibais, até algumas drogas – mas nada ilegal, porque até onde sei o lótus não está na lista do Departamento de Narcóticos. A cena final segue a melhor tradição do western, com algumas lutas pesadas, e a história com o arco é um golpe de mestre de suspense. O tom é calmo e ponderado, sem ser pesado. E a montagem, o uso de flashbacks, as histórias dentro de histórias... Em poucas palavras, este Homero é a coisa certa. Inteligente demais, talvez, comparado ao seu primeiro livro. Eu imagino se é realmente dele este trabalho. Sei, é claro, que um autor pode se aperfeiçoar com a experiência, mas o que me causa um certo desconforto – e, finalmente, me leva a dar um voto negativo – é a confusão que a questão dos direitos vai causar. Em primeiro lugar, o autor não é encontrado em lugar algum. As pessoas que o conhecem dizem que sempre foi difícil discutir qualquer mudança a ser feita no texto, porque ele era tão cego quanto um morcego, não conseguia encontrar o próprio manuscrito, e até dava a impressão de que não estava completamente familiarizado com ele. Será que realmente escreveu o livro ou apenas o assinou?
* A DIVINA COMÉDIA, de Dante Alighieri – Alighieri é um típico escritor de domingo. Seu trabalho mostra um inegável domínio da técnica e um considerável faro narrativo. O livro, no dialeto florentino, consiste de cerca de uma centena de capítulos rimados, e muito de seu conteúdo é interessante e de boa leitura. Eu particularmente gostei das descrições de astronomia e de certas noções teológicas concisas e provocativas. A terceira parte do livro é a melhor e terá o maior apelo; envolve assuntos de interesse geral, concernentes ao leitor comum – salvação, a visão beatífica, adoradores da Virgem. Mas a primeira parte é obscura e auto-indulgente, com passagens de erotismo barato, violência e crueza absoluta. Mas o grande inconveniente é a opção do autor por seu dialeto (inspirado sem dúvida por alguma idéia de vanguarda).
* EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO, de Marcel Proust – Este é um trabalho indubitavelmente sério, talvez longo demais. Poderia vender como uma série, mas não deveria ser publicado como está. Precisa de um trabalho editorial sério. Por exemplo, a pontuação deve ser refeita. As sentenças são muito elaboradas; alguma tomam uma página inteira. Bem trabalhado, reduzindo cada sentença para um máximo de duas ou três linhas, quebrando os parágrafos, o livro seria aceito. Se o autor não concordar, então esqueça. Como está, o livro é muito – qual é a palavra? – asmático.
* CRÍTICA DA RAZÃO PRÁTICA, de Immanuel Kant – É um pequeno e razoável livro sobre moralidade, que poderia se adaptar perfeitamente às nossas séries filosóficas, e poderia até ser adotado por algumas universidades. Mas o editor alemão diz que, se nós o comprarmos, teremos que nos comprometer não apenas com o livro anterior do autor, que é uma coisa imensa em no mínimo dois volumes, mas também com aquele no qual está trabalhando agora, sobre arte ou sobre julgamento, não tenho certeza. Todos os três livros têm mais ou menos o mesmo título, logo teriam que ser vendidos num pacote (e a um preço que nenhum leitor poderia recusar); de outra maneira, os ratos de livrarias poderiam confundir um com o outro e pensar "já li isso antes".
* O PROCESSO, de Franz Kafka – Um pequeno e agradável livro. Um thriller com alguns toques de Hitchcock. O assassinato final, por exemplo. Poderia ter algum público. Mas aparentemente o autor escreveu sobre um regime de censura pesada. Se não, por que todas essas vagas referências, esse truque de não dar nome a pessoas ou lugares? E por que o protagonista é colocado em xeque? Se esclarecermos esses pontos, o suspense ficará garantido. Escritores genuínos devem ter em mente as cinco questões básicas dos velhos jornalistas: quem? o quê? quando? onde? como? por quê? Se pudermos ter mão livre na edição, eu diria: compre-o. Se não, não.
* FINNEGANS WAKE, de James Joyce – Por favor, diga ao editor para ser mais cuidadoso ao distribuir livros aos analistas de textos. Eu sou leitor de língua inglesa, e vocês me mandaram um livro escrito em alguma outra língua remota. Estou devolvendo-o em pasta separada.
De toda essa história polêmica, fica a constatação de que três editoras das mais importantes do país sequer acusaram recebimento de originais recebidos. Essa prática é comum. E deixa alucinados os autores, que entram muitas vezes em paranóia escrevendo cartas, enviando faxes e e-mails e telefonando às editoras, no esforço inútil de tentar saber o que foi feito dos seus livros e se eles serão publicados ou não. Raramente recebem respostas. Nem mesmo a gentileza de um telefonema. Os gerentes editoriais, com raras exceções, tornam-se inacessíveis. Sonhando talvez com o dia em que haverá livros sem autores.
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