No mês da Consciência Negra, comemora-se o centenário da Revolta da Chibata, que teve como líder o marinheiro João Cândido Felisberto. O objetivo do levante foi atingido, mas a anistia da Marinha, que prendeu e perseguiu o "Almirante Negro", só veio 39 anos após a sua morte, em 2008.
De frente para as águas da Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, de costas para o antigo entreposto de pesca que lhe garantiu o sustento até o fim da vida, depois da Revolta da Chibata, em 22 de novembro de 1910, João Cândido Felisberto não tem mais apenas as pedras pisadas do cais como monumento — como registra a letra de "Mestre sala dos mares", de João Bosco e Aldir Blanc. A homenagem ao "Almirante Negro", como ficou conhecido João Cândido está ali na Praça Quinze para lembrar que a luta por melhores condições de trabalho e pelo fim dos castigos físicos na Marinha não foi em vão. O objetivo do levante foi atingido, mas a anistia da Marinha, que prendeu e perseguiu o "Almirante Negro", só veio 39 anos após a sua morte, em 2008. A reparação, porém, foi incompleta. No ano do centenário da Revolta da Chibata, João Cândido e os outros revoltosos continuam sem as devidas promoções e seus familiares sem receber indenização.
No livro João Cândido, da Selo Negro Edições, o jornalista Fernando Granato resgata a história desse líder negro que se tornou o símbolo da luta contra a opressão no Brasil. Resultado de dois anos de pesquisa - nos arquivos da Marinha e da Biblioteca Nacional e em entrevistas com familiares de João Cândido -, o livro pretende iluminar um período pouco conhecido da sua história: a fase que vai de sua absolvição até a sua morte, no Rio de Janeiro, em 1969, aos 89 anos. "A fama de ‘perigoso’ não reflete suas convicções políticas, muito menos encontra respaldo na vida que passa a levar após o fim da revolta", afirma o autor. Uma época marcada, segundo ele, pela perseguição política, pela penúria e pelas tragédias pessoais. "De marinheiro a trabalhador braçal, recluso e doente, tem a polícia vigilante até mesmo em seu enterro", complementa.
Inédito em sua abordagem, o livro traz, em cinco capítulos, a trajetória de João Cândido desde a infância, em Rio Pardo, no interior do Rio Grande do Sul. Filho de ex-escravizados, ele deixa cedo a vida na fazenda e alista-se na Marinha. Ali, ganha experiência viajando pelo Brasil e pelo mundo. Com bom trânsito entre os oficiais e admirado pelos companheiros, o jovem acaba liderando uma das mais importantes rebeliões populares do Brasil.
No capítulo "A Revolta da Chibata", por exemplo, o jornalista conta, com detalhes, como aconteceu o movimento deflagrado pelos marinheiros contra os maus-tratos, que paralisou o coração do Brasil por quatro dias e custou a vida de dezenas de pessoas, entre civis e militares. Ele explica que a punição pela chibata era um hábito herdado da Marinha portuguesa. Os castigos tinham a função de educar na marra os supostos maus elementos que compunham os quadros inferiores.
Traídos, presos e torturados, os revoltosos foram expulsos da Marinha. A biografia mostra também os duros tempos para os marujos que participaram da revolta. "A anistia não durou dois dias. A imprensa noticiou rumores de um golpe contra os marujos", conta o autor. João Cândido é um dos que mais sofreram perseguições, vindo a morrer muito pobre e doente. "A sua prisão na Ilha das Cobras, por um lado, é marcada por atrocidades e barbaridades. Por outro, em uma ironia do destino, salva-lhe a vida", revela o jornalista. Ele explica que João Cândido deveria embarcar na chamada "viagem da morte" rumo ao norte do país. "Pela notoriedade que ganhara durante a revolta, no entanto, o governo tem medo e resolve deixá-lo preso na masmorra", complementa.
A biografia aborda ainda as dificuldades enfrentadas por João Cândido depois da prisão e seus últimos anos de vida. Mostra os problemas financeiros pelos quais passou, em função da perseguição que sofreu ao longo da vida por parte da Marinha; o seu envolvimento no cenário político do país e a filiação ao integralismo de Plínio Salgado, na década de 1930; a dura rotina de trabalho descarregando peixe durante a noite e de madrugada, no entreposto da Praça XV, no Rio de Janeiro; as perdas trágicas da mulher e da filha e as recaídas constantes da tuberculose. O enterro do "Almirante Negro", em pleno regime militar, vigiado pela polícia, e a luta dos compositores João Bosco e Aldir Blanc pela liberação da canção "O mestre-sala dos mares", driblando as barreiras impostas pela censura, na década de 1970, também estão contemplados na obra.
Fonte:
Fernando Granato é jornalista e escritor paulista. Já trabalhou nas redações dos jornais mais importantes do país e ganhou o prêmio Embratel de Jornalismo pela série "Memórias do Sertão", sobre Guimarães Rosa. Para escrever João Cândido, Fernando Granato pesquisou durante dois anos nos arquivos da Marinha Brasileira, na Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, decifrando com apuro e clareza uma documentação preciosa.
No livro João Cândido, da Selo Negro Edições, o jornalista Fernando Granato resgata a história desse líder negro que se tornou o símbolo da luta contra a opressão no Brasil. Resultado de dois anos de pesquisa - nos arquivos da Marinha e da Biblioteca Nacional e em entrevistas com familiares de João Cândido -, o livro pretende iluminar um período pouco conhecido da sua história: a fase que vai de sua absolvição até a sua morte, no Rio de Janeiro, em 1969, aos 89 anos. "A fama de ‘perigoso’ não reflete suas convicções políticas, muito menos encontra respaldo na vida que passa a levar após o fim da revolta", afirma o autor. Uma época marcada, segundo ele, pela perseguição política, pela penúria e pelas tragédias pessoais. "De marinheiro a trabalhador braçal, recluso e doente, tem a polícia vigilante até mesmo em seu enterro", complementa.
Inédito em sua abordagem, o livro traz, em cinco capítulos, a trajetória de João Cândido desde a infância, em Rio Pardo, no interior do Rio Grande do Sul. Filho de ex-escravizados, ele deixa cedo a vida na fazenda e alista-se na Marinha. Ali, ganha experiência viajando pelo Brasil e pelo mundo. Com bom trânsito entre os oficiais e admirado pelos companheiros, o jovem acaba liderando uma das mais importantes rebeliões populares do Brasil.
No capítulo "A Revolta da Chibata", por exemplo, o jornalista conta, com detalhes, como aconteceu o movimento deflagrado pelos marinheiros contra os maus-tratos, que paralisou o coração do Brasil por quatro dias e custou a vida de dezenas de pessoas, entre civis e militares. Ele explica que a punição pela chibata era um hábito herdado da Marinha portuguesa. Os castigos tinham a função de educar na marra os supostos maus elementos que compunham os quadros inferiores.
Traídos, presos e torturados, os revoltosos foram expulsos da Marinha. A biografia mostra também os duros tempos para os marujos que participaram da revolta. "A anistia não durou dois dias. A imprensa noticiou rumores de um golpe contra os marujos", conta o autor. João Cândido é um dos que mais sofreram perseguições, vindo a morrer muito pobre e doente. "A sua prisão na Ilha das Cobras, por um lado, é marcada por atrocidades e barbaridades. Por outro, em uma ironia do destino, salva-lhe a vida", revela o jornalista. Ele explica que João Cândido deveria embarcar na chamada "viagem da morte" rumo ao norte do país. "Pela notoriedade que ganhara durante a revolta, no entanto, o governo tem medo e resolve deixá-lo preso na masmorra", complementa.
A biografia aborda ainda as dificuldades enfrentadas por João Cândido depois da prisão e seus últimos anos de vida. Mostra os problemas financeiros pelos quais passou, em função da perseguição que sofreu ao longo da vida por parte da Marinha; o seu envolvimento no cenário político do país e a filiação ao integralismo de Plínio Salgado, na década de 1930; a dura rotina de trabalho descarregando peixe durante a noite e de madrugada, no entreposto da Praça XV, no Rio de Janeiro; as perdas trágicas da mulher e da filha e as recaídas constantes da tuberculose. O enterro do "Almirante Negro", em pleno regime militar, vigiado pela polícia, e a luta dos compositores João Bosco e Aldir Blanc pela liberação da canção "O mestre-sala dos mares", driblando as barreiras impostas pela censura, na década de 1970, também estão contemplados na obra.
Fonte:
Fernando Granato é jornalista e escritor paulista. Já trabalhou nas redações dos jornais mais importantes do país e ganhou o prêmio Embratel de Jornalismo pela série "Memórias do Sertão", sobre Guimarães Rosa. Para escrever João Cândido, Fernando Granato pesquisou durante dois anos nos arquivos da Marinha Brasileira, na Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, decifrando com apuro e clareza uma documentação preciosa.
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