Expositores ligados à Campanha Nacional pelo Direito à Educação defenderam 10% do PIB para educação, na 3ª audiência pública da Comissão Especial do Plano Nacional de Educação (PL 8035/2010), realizada na tarde desta quarta-feira, 25/5/2011, na Câmara dos Deputados, em Brasília
A terceira audiência pública da Comissão Especial que analisa o PL 8035/2010 (Plano Nacional de Educação 2011-2020) tratou do financiamento necessário para o cumprimento do Plano.
A Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que participou comoexpositora da primeira audiência da Comissão articulou a presença de vários de seus membros nesta sessão, como os professores José Marcelino Rezende Pinto, da Universidade de São Paulo, e Nelson Cardoso Amaral, da Universidade Federal de Goiás. A presidenta da Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação) e integrante do Comitê Diretivo da Campanha, Cleuza Repulho, também foi expositora. A primeira exposição, do economista Jorge Abrahão de Castro, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), mostrou uma análise dos indicadores educacionais brasileiros no período de 1995 a 2009. De acordo com o economista, apesar dos avanços no acesso à educação, de 1995 a 2005 observa-se instabilidade de prioridade macroeconômica, ou seja, o percentual do PIB (Produto Interno Bruto) que a educação teve no período foi muito pequeno. De 2005 a 2009 esse quadro mudou, com crescimento de gastos na área, chegando a um patamar de 4,8%. No entanto, Jorge Abrahão chama atenção para a persistência das desigualdades educacionais, que se revelam nos indicadores de renda e de localização regional, entre outras. “O gasto público em educação promove um ciclo econômico positivo, com efeito no crescimento da economia, na distribuição de renda, e na diminuição das desigualdades, entre outros aspectos”, ressaltou Jorge.
Já o secretário de Educação de Goiás e representante do Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação), Thiago Peixoto, destacou que em 2009, o investimento público direto em educação correspondeu a 5% do PIB, sendo que União contribuiu com 19,7% desse montante, os Estados e Distrito Federal com 41,2% e os Municípios com 39,1%. “Esperamos que o Plano defina claramente quais as responsabilidades de cada ente federado com relação a cada uma das metas e quanto cada uma delas custará. Lembramos também que se a meta 20 [financiamento] não for adequada, pode prejudicar a implementação do Plano. Por fim, destaco que qualquer proposta precisa considerar a necessidade de aumentar os investimentos por parte da União”, concluiu.
O financiamento necessário para os desafios da educação – O professor José Marcelino Rezende Pinto, da USP, ativista e colaborador da Campanha e um dos autores do CAQi (Custo Aluno Qualidade Inicial) ressaltou que, para definir o financiamento necessário para o PNE, é preciso ter uma noção clara do tamanho dos desafios da educação brasileira. Um deles é garantir 12 anos de estudo (o equivalente ao ensino médio) para a população na faixa etária de 18 a 24 anos. Estima-se que 14 milhões de pessoas nessa faixa necessitam de um ou mais anos de estudo para alcançar essa meta. As matrículas de creche devem saltar dos pouco mais de 2 milhões atuais de crianças matriculadas para quase 4,7 milhões em 2020. Para o total da educação básica, o salto deve ser das atuais 52 milhões de matrículas para quase 61 milhões em 2020. Levando em conta esses e outros números, como a proposta de CAQi, Marcelino calcula que em 2016, o gasto com educação no Brasil deveria ser equivalente a 7,67% do PIB, devendo alcançar 10,01% do PIB em 2020, já considerando a dinâmica populacional.
O pesquisador mostrou ainda que a carga tributária brasileira corresponde a 35% de seu PIB. No entanto, de cada 100 reais arrecadados, a União fica com 58 reais, os Estados com 26 reais e os Municípios com 16 reais. “Quem paga a conta? Não podemos jogar essa conta para as famílias. Se o Estado não arcar, os mais pobres continuarão excluídos. Entendemos que 10% do PIB para educação é cabível nesse cenário”, defendeu Marcelino.
Novos velhos erros – Em sua exposição na audiência, a secretária municipal de educação de São Bernardo do Campo e presidenta da Undime, Cleuza Repulho, lembrou que apenas 20% dos 5565 municípios brasileiros possuem arrecadação própria, reforçando a defesa de que é preciso destinar mais recursos da União para educação no Brasil. A secretária apontou como principais críticas ao PL 8035 as limitações de financiamento que inviabilizam o cumprimento das metas, a ausência de metas intermediárias que permitam monitorar a implementação do Plano e a falta de definição do papel de cada ente federado.
Segundo Cleuza, pesquisa inédita feita por Undime, Unicef e Fundação Itaú Social revela que os dados apresentados pelo Siope (Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação) são muito diferentes do que os gastos reais em educação. Ela explicitou que os dados desse sistema não podem e não devem ser usados como parâmetro para o PNE. “Se os dados do Siope fossem usados, já faltariam 8,6 bilhões de reais para cumprir somente a meta 1 [ampliação de atendimento na educação infantil]”. Os dados do Siope foram utilizados pelo MEC para justificar sua proposta tímida de aplicar em educação 7% do PIB até 2020.
“Já vimos que o veto ao financiamento no PNE anterior impediu o cumprimento das metas e tem impacto negativo até hoje. Não podemos repetir esse erro. Como dizia Celso Daniel [prefeito de Santo André, no ABC paulista, de 1997 a janeiro de 2002, quando foi assassinado], podemos cometer erros novos, mas os velhos jamais”, alertou Cleuza.
Desfazendo mitos – O professor Nelson Cardoso do Amaral, da Universidade Federal de Goiás, esclareceu que utilizar o PIB como referência de investimento em educação pode ser uma armadilha, quando não se considera outros dados da economia dos países. Segundo o professor, dados da Agência de Inteligência Americana mostram que a Bolívia aplica 6,4% de seu PIB em Educação, enquanto o Canadá aplica 5,2%. Mas isso significa 2,9 bilhões de dólares na Bolívia e 66,5 bilhões de dólares no Canadá, sendo que a Bolívia gasta 695 dólares por estudante ao ano e o Canadá 7.731 dólares por cidadão. “Se aplicasse 7% do PIB o Brasil chegaria a um patamar de 1.678 dólares por habitante. Com 10% chegaria a 2.397 dólares por pessoa, ainda nada comparável com os países desenvolvidos, sendo que nossos desafios educacionais são muito maiores do que nesses países”, aponta Nelson.
Síndrome de Carolina – Citando dados do Ipea (Comunicado 14 de 12/11/2008), o deputado Paulo Rubem Santiago (PDT-PE) enfatizou que de 2000 a 2007, o país destinou R$ 1,267 trilhões para o serviço da dívida pública e apenas R$ 149 bilhões para educação. “Diante desses números, quem afirma que o Brasil não tem capacidade fiscal para garantir 10% do PIB para educação mente ou está desinformado”, provocou. Em entrevista à Campanha Nacional pelo Direito à Educação logo depois da audiência, o deputado Paulo Rubem disse que o Brasil sofre do que ele chama de “síndrome de Carolina”, referindo-se ao trecho da canção de Chico Buarque (“O tempo passou na janela e só Carolina não viu...”).
O presidente da Comissão Especial do PNE, deputado Gastão Vieira (PMDB/MA), encerrou a audiência se comprometendo a receber insumos técnicos que mostrem a necessidade de ampliar o financiamento educacional a partir do PNE.
Para o coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, a audiência “comprovou que as notas técnicas do MEC são frágeis tecnicamente e que é preciso mais de 7% do PIB, em investimento público direto, para garantir a necessária expansão da educação pública, fundamentada em um padrão mínimo de qualidade”.
Destaques da audiência
“Os países ricos aplicam cerca de 20% do PIB per capita em cada um de seus alunos. No Brasil, esse patamar não ultrapassa os 11%, embora o MEC tenha divulgado que chegou a 19%”, José Marcelino Rezende Pinto, professor da USP, ativista e colaborador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
“É importante aplicar o CAQi, ou passaremos os próximos dez anos discutindo a divisão dos recursos que temos, e não os recursos que precisamos para incluir todas as crianças, jovens e adultos e oferecer educação de qualidade para todas e todos”, Cleuza Repulho, secretária de educação de São Bernardo do Campo e presidenta da Undime.