sábado, 15 de maio de 2010

A poesia que entra pelos OlhOs

Nós humanos somos providos de cinco órgãos dos sentidos: tato, olfato,
paladar, audição e visão. Todos são demais valiosos para o nosso
relacionamento com o universo. Qualquer mensagem que chega ou sai de
nós passa por algum deles a depender da forma com que foi codificada.
A música, por exemplo, necessariamente passa pelos ouvidos. Toda a
culinária, o paladar e o olfato estão intimamente relacionados. E
assim por diante.
De tempos em tempos, um ou outro órgão entra mais em evidência. Na era
do rádio estava a cargo dos ouvidos traduzir para o resto do corpo as
novidades do mundo. Com o advento da televisão entramos na chamada era
visual. E na era virtual (internet) vai vigorar em nós o sexto
sentido?
Enquanto nos respondem os biólogos, cientistas e teóricos da
comunicação, vamos nos ater a um assunto já bastante experimentado: a
poesia visual.

Poesia visual brasileira

A síntese da poesia visual brasileira ganha as terras americanas pelas
mãos da artista Regina Vater, que organizou uma abrangente exposição
sobre o tema. Residindo há mais de vinte anos nos EUA e contando com o
apoio do Instituto de Estudos Latino Americanos da Universidade do
Texas, a artista reuniu trabalhos de 53 poetas de diferentes partes do
Brasil. O ponto culminante do projeto "Poesia Visual Brasileira" é a
exposição realizada no Mexic Arte Museum - Texas, também disponível no
site www.imediata.com.
A relação dos artistas participantes já impressiona por seus nomes:
Ana Aly, André Vallias, Alex Hamburger, Almandrade, Alvaro de Sá,
Arnaldo Antunes, Augusto de Campos, Avelino de Araújo, Bené Fonteles,
Bruno Monteiro, Carli Moore Portella, Christine Mello, Décio
Pignatari, Edgar Braga, Fabio Di Ojuara, Falves Silva, Franklin
Capistrano, Gastão Debreix, Giselle Beguelman, Glauco Matoso, Grima
Grimaldi, Haroldo de Campos, Hélio Oiticica, Hugo Pontes, J. Medeiros,
João Bandeira, Joaquim Branco, José Alberto Saraiva, Lena Bergstein,
Lenora de Barros, Lia do Rio, Lygia de Azeredo Campos, Maria do Carmo
Secco, Millôr Fernandes, Moacy Cirne, Neide Sá, Omar Khouri, P.J.
Ribeiro, Paulo Bruscky, Paulo Miranda, Philadelphio Menezes, Regina
Vater, Sayonara Pinheiro, Tadeu Jungle, Walter Silveira, Wladimir Dias
Pino.


"Se vos nutro com poesia, é na esperança de que não me faltem com a
comida."
Luiz de Camões
A artista e curadora Regina Vater participa com uma instalação
especial para a ocasião chamada "O Festim de Camões", onde são
homenageados o patrono da língua portuguesa Luiz de Camões e os poetas
brasileiros Affonso Romano de Sant'Anna, Antonio Cícero, Caetano
Veloso, Frederico Barbosa, Haroldo de Campos, Manoel de Barros, Olga
Savary e Sérgio de Castro Pinto. Na instalação, sobre uma mesa posta
para os convivas brasileiros está impresso, nos oito pratos, um
pequeno poema de cada um deles que podem ser lidos sob um foco de luz
direcionada. Intrigante!
A idéia se baseia numa história atribuída a Camões que, querendo
retribuir favores devidos a certos cortesãos, certo dia decidiu
oferecer um banquete. Como não tinha dinheiro, pediu emprestado a um
amigo rico seu melhor serviço de mesa (pratos, cristais e talheres).
Quando os convidados chegaram para a festança, encontraram a mesa já
posta. Todos os pratos, porém, estavam virados para baixo. Camões
agradeceu a todos pelo apoio sempre recebido e pediu, então, que
virassem os pratos, pois o banquete iria começar. Debaixo de cada
prato, os convidados encontraram um poema escrito especialmente para
cada um deles pelo anfitrião. Para completar a surpresa, Camões
declarou: "Ora, pois, o banquete está servido... Se vos nutro com
poesia, é na esperança de que não me faltem com a comida".

Para enxergar melhor

Enxergar e entender. A poesia visual já passou por diversas
experimentações e hoje convivemos com ela em out-doors, anúncios,
grafittes, luminosos, vinhetas de televisão, capas de livros, revistas
e jornais, rótulos de produtos, logomarcas, na arquitetura, na moda,
no design industrial, sem nem nos darmos conta.


"As cavernas com suas inscrições visuais são os museus do homem
primitivo. O homem moderno armazena suas imagens visuais nos museus."
ALMANDRADE
Para compreendermos a origem e essência do conceito "poesia visual",
nos valemos de uma entrevista concedida pelo poeta Antônio Luiz Morais
de Andrade - ALMANDRADE - ao repórter Rodrigo de Souza Leão.
ALMANDRADE é dono de um estilo através do qual o minimalismo é o
cursor de sua estética e trabalha o poema como quem lapida um
diamante. É um dos criadores do Grupo de Estudo de Linguagem da Bahia
que editou a revista Semiótica em 1974. Ele responde às perguntas com
a sabedoria de um verdadeiro mestre e mostra-se indignado pelo descaso
ao trabalho do artista numa sociedade dominada pela cultura da mídia,
da moda, do fácil e do descartável.

Repórter - Por que o poema curto é o paradigma da poesia brasileira
atual?

ALMANDRADE - Não tenho informações suficientes para afirmar que o
poema curto é o paradigma da poesia atual. No meu caso, a arte e a
poesia me desviaram para o uso de um repertório mínimo de signos
verbais ou pictóricos como método de trabalho. Tenho como referências:
a vanguarda poética, o construtivismo e a arte conceitual. Mais tarde
me aproximei das conferências de Ítalo Calvino, principalmente sobre a
leveza "monumentos perdidos/pinturas nas paredes dos museus/cavernas
modernas".

Repórter - O que há de comum entre monumentos perdidos e a pintura nas
paredes das cavernas? "Tudo passa menos o tempo"? "Círculos que se
prendem em círculos"? "Eterno Retorno"?

ALMANDRADE - A poesia é um fazer com a linguagem, um exercício que
leva a linguagem a um limite, a romper com os significados do
cotidiano. "...ir o mais longe possível, e não alcançar" (Bataille).
Na minha poesia há imagens, às vezes absurdas, contraditórias,
relações estranhas... possíveis só na linguagem poética. O poeta é
livre para transformar a ordem e o sentido das coisas. Mas podemos
aproximar da lógica do cotidiano, um problema para o leitor resolver,
ele é cúmplice dos significados de uma obra poética. Como diz Borges:
/"Aquele que lê as minhas palavras as está inventando"/. - Por
exemplo: as cavernas com suas inscrições visuais são os museus do
homem primitivo. O homem moderno armazena suas imagens visuais
(artísticas) nos museus (cavernas modernas). / "tudo é íntimo/na
desordem/do sofrimento"/

Repórter - Não acredita no sofrimento coletivo? Quando sofrer pode ser
ordenar?

ALMANDRADE - A resposta anterior poderia também ser uma resposta a
esta pergunta. A linguagem poética não é porta-voz do sofrimento da
dor ou do riso, eles estão presentes na poesia, mas como elementos
simbólicos, fazem parte na natureza do homem. E ele projeta naquilo
que lê ou vê seus sofrimentos, suas angústias e suas alegrias: "a
razão/é um pensamento /sem saída"/

Repórter - Quais as saídas para além do cartesiano?

ALMANDRADE - Esta talvez seja uma provocação, não sei se existem
saídas, a não ser o riso. /"Os limites da minha linguagem são os
limites do meu mundo"/, (Wittgenstein). A poesia é uma forma de
pensamento que não responde, interroga o pensamento. E a razão /"...é
apenas a imperfeição da inteligência"/, como afirma São Tomás de
Aquino.

Repórter - Você foi um dos criadores do Grupo de Estudos de Linguagem
da Bahia que editou a revista Semiótica em 1974. Quais caminhos a
Internet abre para o estudo da semiótica?

ALMANDRADE - Estamos deslumbrados com a Internet, como se ela fosse
resolver alguma coisa ou tornar o homem mais inteligente. Na verdade é
apenas um meio que pode estar a serviço de qualquer área de
conhecimento: facilita contatos, (esta entrevista, por exemplo)
informações, ela pode divulgar pesquisas, trabalhos, mas não vai
produzi-los.

Repórter - Quando um objeto pode ser um poema? Quando que uma só
palavra pode ser um poema? Quais são os limites que delimitam a poesia
concreta e a poesia visual?

ALMANDRADE - A poesia pela sua forma de escrita, diferente da prosa,
sempre foi um enunciado visual. A poesia concreta é o reconhecimento e
a afirmação da poesia como uma arte também visual, que o
poema-processo assumiu na sua radicalidade, a meu ver, levando o poema
a um rompimento com a literatura. Eu quando faço poema visual, eu
penso como uma arte gráfica que dialoga com a literatura. Um objeto ou
uma palavra assume a condição poética quando apropriada, inserida ou
deslocada para o contexto poético, quando produz certas emoções que
denominamos poética. Me lembro de Valery.

Repórter - O que é que a Bahia tinha que não tem mais? Desde Caetano e
Gil não nasce um artista do mesmo porte destes dois na terra de ACM. É
uma crise da Bahia ou brasileira?

ALMANDRADE - É um problema que me parece internacional. No caso da
música baiana (ou melhor, brasileira), cresceu em mercado mas caiu em
qualidade. Fazemos parte de uma civilização que tem como princípio de
ética o consumo. Pensar hoje em dia é ser retrógrado. Quando o
importante não é mais a qualidade mas a quantidade, tem alguma coisa
de errado!... ou errado é o ato de pensar?... Walter Benjamin apontava
o cinema como a grande arte.

Repórter - Há uma arte maior que a outra?

ALMANDRADE - ÉÉ preciso refletir sobre esta afirmação do Benjamin no
lugar e no tempo onde foi pensada. (No auge da revolução industrial).
Não há uma arte maior que outra. Os saberes de uma sociedade são
díspares e são mais importantes dentro das suas especificidades.

Repórter - Qual o papel do escritor na sociedade?

ALMANDRADE - O papel do escritor é escrever, produzir conhecimentos e
questionar sua natureza, inventar outras relações com o mundo. Mas
numa sociedade dominada pela cultura da mídia, da moda, do fácil e do
descartável, que despreza a reflexão, o escritor, o poeta e o artista
são personagens inúteis que passam o tempo recuperando uma poética e
uma forma de saber perdidas ou desprezadas. Para o homem não perder a
memória.

Dê sua opinião sobre o tema.


Élton Skartazini


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Um comentário:

  1. Prezado Elton,

    Você foi feliz comentando sobre o Poema Visual. Cada vez que alguém manifesta sobre o assunto está contribuindo para teorizar e fixar a manifestação literária que, por certo, dentro de alguns anos mostrará o quanto estávamos presentes no mundo e no experimentalismo poético. Por enquanto estamos perto de completar quarenta anos.
    É preciso que, cada vez mais, nossos poetas busquem novas linguagens. Os novos com a palavra.
    Hugo Pontes
    www.poemavisual.com.br

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