sábado, 26 de fevereiro de 2011

Para o que servem as mulheres. Por Marli Gonçalves

Coisinha chata esta de querer diminuir a importância das coisas pondo carimbo "Mulher" para diferenciá-las, e pior ainda em situações que nada têm a ver com o formato dos órgãos sexuais, se para dentro ou puxadinhos.

 

Vou tentar não desfiar feminismo por aqui, até porque para variar um pouco vai ter gente atirando impropérios, de um lado e de outro, os desacordados, que ouviram cantar o galo e a galinha, mas não sabem de onde vem o som. De um lado, a importância das conquistas de espaço das mulheres, uma batalha secular comemorada no dia 8 de março. De outro, a maldita divisão: gente homem e gente mulher.

Por exemplo, outro dia teve "muié" se matando para ganhar votos para um tal Destaque Mulher Imprensa. Tratava-se de algo a ver com matérias e reportagens sobre a condição da mulher? Não! Tratava-se de algo importante? Não! Era apenas para escolher quem é a "queridinha" do momento, entre os jornalistas. Mas vou eu falar que é machismo, concessão, utilização indevida !?! Psiu, calada!. E, claro, nada contra quem ganhou - até porque houve... Votação!

Com a chegada de Dilma Rousseff à Presidência a situação está ficando atordoantemente chata, repetitiva, samba de uma nota só, e espero que todos estejam preparados para a avalanche de mensagens edificantes sobre Mulher que receberemos, ouviremos e que entrarão por todos os nossos buracos nos próximos dias. Mulher, mãe dadivosa. Mulher, Rainha do Lar. Mulher, esposa e pétala de rosa. Mulher, o mundo é seu. Afinal, para que servem as mulheres?

Depois de Dilma - e antes também, claro, mas piorando agora que virou "tendência" - qualquer coisinha é isso, mulher para lá, mulher para cá. Não é porque é a melhor, a mais competente, estudiosa, técnica, cientista, campeã. É porque é mulher; porque precisava de uma mulher. O que não vemos é no que isso muda o respeito, que ainda não chegou junto com tantas alvíssaras. Continuamos sendo mortas, violentadas, tendo calças e calcinhas arriadas contra a vontade, engolindo até coisas piores como definiu de forma lapidar a ex-Bruna Surfistinha, ao falar na vida das ruas, de quando era garota de programa. "Tucanaram" até a prostituição, para tornar a profissão mais dourada, mais "família".

Vou dizer. Foi um choque. Já pensava sobre isso quando uma amiga me chamou a atenção para um fato bem louco, e que ela inclusive está vivendo na pele. Até na tal Lei do Cão o papel da mulher varia de acordo com o que os homens precisam. A esposa vira só uma fêmea quando eles se metem em maus bocados; elas não podem dar muito palpite. Quem pode - a Mulher - é a mãe. Tanto que quando a polícia precisa agir em casos com reféns, em geral é exatamente quem vai buscar: a mãe. Assim, bandidos perigosos viram carneirinhos puxados pela orelha.

Logo que pensei nisso fui dar uma olhada por aí e dei de cara com essa bomba rítmica: "Mulher só serve para duas coisas: Fazer falta e fazer raiva. Se está longe faz falta. Se está perto só faz raiva". Achei também um livro, cujo autor se autodenomina Bráulio Pinto, e uma chamada nos sites de venda: "Como você descobre que sua mulher morreu? Sua vida sexual continua igual, mas a cozinha fica cheia de louça suja. Esta é uma das piadas mais leves desta divertida coletânea para machistas inveterados". Ah, o acabamento do tal livro é brochura.

A partir daí, só achei coisas correlatas tipo "Para que serve o difusor de cabelos?" e uma moça posando com uma camiseta com dizeres em inglês: "W.I.F.E: Washing, Ironing, Fucking, Etc." (Esposa, WIFE: lavando, passando, e fucking, que todo mundo sabe o que é, etc.).

Pois então vou dizer para o que eu acho que servem as mulheres. Para manter o mundo em equilíbrio, para criar, para mostrar que têm, sim, uma linguagem particular, formas diferentes de ver e ajustar o mundo, uma intuição sem igual. Todas têm. Com a vida moderna estão é mostrando isso cada vez mais, na batalha, sozinhas, se impondo, criando filhos, famílias e agora também na versão vivendo livremente suas relações com outras mulheres, construindo futuros. Isso é novidade até nas ruas. Antes, mulher com mulher era aceitável só para deleite e fantasias sexuais. Existia, mas pouco se via. Só se falava entredentes. Também não são mais só aquelas caricaturas. Há mulheres lindas e completas vivendo com outras mulheres lindas e completas. Não foi por "falta de homem".

Mais do que X, Y, Z. As mulheres servem para manter o mundo unido. Servem para lutar junto com todos, gatos, sapatos, homens e etceteras, pela sobrevivência, usando cada um as suas peculiaridades. E as qualidades femininas são indispensáveis. Incluindo o olhar, a beleza dos seus corpos, a cadência do seu andar e aquela jogada de cabelo que, não adianta, só mulher dá. Tanto que os travestis fazem verdadeiro treino olímpico para chegar pelo menos perto de tal atuação.

O avanço foi e será cada dia mais inevitável. Por isso já é chegada a hora de aposentar o carimbo discriminatório: MULHER! Não precisa.

Ou, para não perder o costume, cutuco: você acha que não está existindo preconceito de gênero no atual governo, que está tudo resolvido? Na esquerda? Ledo engano. Pare e perceba: há os grupos das moças, nas atividades sociais e onde é necessário ter governantas. Palocci à frente (destronado no governo anterior justamente por "gostar tanto de mulher"), reúne em outra sala, vizinha, os homenzinhos, os coronéizinhos, a economia, o pesado, a negociação dá-lá-toma-cá.

Sabia? Em alguns casos, nem que queiram, os homenzinhos conseguem ultrapassar a barreira para pedir a benção da grande-mãe na sala principal do terreiro. Rolaria ciúmes.

E ciúmes de homem coisa boa não é.

São Paulo, rosa, azul, preto e branco, arco-íris, 2011



(*) Marli Gonçalves é jornalista. Feminista. Está nisso faz muito tempo. No Brasil o 8 de Março só chegou em 1975. E parece que ainda não entrou completamente na cabeça das pessoas o seu verdadeiro sentido.

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