quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

MEC distribui livros que valorizam as culturas indígenas e ajudam a preservar as línguas

SÃO PAULO - Os antepassados do povo ticuna, maior nação indígena do Brasil, usavam uma planta chamada wotcha para limpar os dentes. Para a função de fio dental, lançavam mão do fio de tucum, produzido a partir das folhas da palmeira de Tucumã.

A história é contada no Livro de Saúde Bucal, criado por professores ticunas, habitantes das aldeias do Alto Solimões, no Amazonas, para ensinar os alunos como e por que cuidar dos dentes. A obra, que também aborda a importância dos alimentos e da mastigação para a boa saúde, integra uma série de 42 livros que o Ministério da Educação produziu para distribuir este ano.

Os livros foram elaborados nos cursos de formação de professores indígenas,

pelos próprios educadores, para usarem posteriormente em sala de aula. Além das matérias tradicionais, as obras tratam de temas como línguas, ritos, lendas e a literatura indígena, além de focar as questões ambientais.

A tiragem dos livros varia entre mil e dez mil exemplares, segundo as matrículas registradas pelo censo escolar. A primeira remessa, com 17 títulos, foi entregue entre junho e julho em escolas públicas de aldeias do Mato Grosso, Amazonas, Amapá, Pernambuco e Maranhão. O restante, cuja entrega estava prevista para acontecer até o final do ano, continua em fase de produção, de acordo com a coordenadora da Comissão Nacional de Apoio à Produção de Material Didático Indígena (Capema), Márcia Blanck. Ela diz que as obras serão distribuídas até o primeiro semestre de 2009.

Para a escolha dos livros, foram enviados à Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), do MEC, em 2006, 64 projetos. A Capema, que funciona dentro da Secad, foi responsável por selecionar 42 deles.

Composta por 16 membros, a Capema, criada em 2005, reúne representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai), da Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena e de organizações indígenas. De acordo com a sua coordenadora, os livros distribuídos pelo MEC valorizam a cultura, a identidade e as línguas indígenas, respeitando, sobretudo, as diferenças entre os cerca de 200 povos espalhados por todo o território brasileiro. "O Brasil tem 174 mil estudantes indígenas e esses livros são distribuídos desde o Ensino Fundamental até as Licenciaturas. São povos diferentes que falam cerca de 180 línguas e dialetos", explica Blanck.

A decisão de usar as línguas maternas como fontes de cultura e vínculos com a história e a trajetória dos antepassados é resultado de uma série de transformações que vem ocorrendo já há alguns anos dentro das políticas de educação praticadas pelo MEC junto aos povos indígenas. Isso porque, até os anos 80, a educação nas aldeias acontecia em escolas similares às rurais, que funcionavam como uma extensão do modelo existente nas cidades. Não existia um material específico para os índios e não era exigido curso superior dos seus professores.

A partir dos anos 90, no entanto, uma série de modificações foi implementada para tentar modificar essa realidade. Depois da substituição do monitor indígena por um professor apto à alfabetizar e educar esses povos, criou-se a necessidade de um material que atendesse às suas necessidades. "A Capema veio estruturar essa demanda", explica o escritor Daniel Munduruku, autor de mais 30 livros que já venderam cerca de um milhão de exemplares, em sua maioria com temáticas voltadas para índios.

Em línguas maternas, português ou bilíngüe, as obras distribuídas agora pelo MEC abordam diferentes temas como mitologia, lendas, histórias, meio ambiente, literatura, matemática, atividade econômica, modelos de construção de casa e calendários, entre outros. Para Munduruku, que em 2006 foi o responsável por entregar o Manifesto do Povo do Livro ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, as obras distribuídas pelo governo respeitam a diversidade da população de índios brasileiros. "Cada povo tem uma história e uma dinâmica social diferenciada. Cabe ao governo possibilitar que cada grupo reforce a sua própria identidade ancestral", explica.

Muitos conhecimentos que estão nos livros foram recolhidos em trabalhos de pesquisas feitos por professores junto a caciques, pajés e anciãos das aldeias. As pesquisas resgatam desde o vocabulário até cantigas, lendas e histórias.

Desde o lançamento do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), em 2007, a responsabilidade pela reprodução dos livros para as escolas indígenas passou a ser das secretarias estaduais de educação, apesar deles continuarem sendo selecionados e custeados pelo MEC. Dos 24 estados que têm população indígena, 18 tiveram recursos aprovados nos Planos de Ações Articuladas (PAR) para a reprodução de livros. O repasse do ministério para essa finalidade, em 2008, é de R$ 6,3 milhões.

O coordenador da Educação Escolar Indígena da Secad, Gersem dos Santos Luciano Baniwa, acredita que as obras em língua materna ajudam os povos a recuperar a autoestima. "Elas valorizam as culturas e ajudam a dar visibilidade

à diversidade do País", explica. Sobre a preservação das línguas, ele diz que isso pode acontecer de muitas formas e cita o exemplo do seu povo, o baniua, que habita terras em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas. Ele conta que para conquistar os baniua no começo do século 20, missões evangélicas e protestantes aprenderam a língua e traduziram a bíblia e os cantos. "Hoje, a língua baniua é uma das mais documentadas em livros e dicionários. Junto com as línguas tucano e neehngatu, o baniua é língua co-oficial do município de São Gabriel da Cachoeira desde 2006", afirma Gersem. (Agência Brasil Que Lê)

 

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