Por Alcides
Leite*
O termo fascismo
tem origem na palavra italiana fascio, que significa feixe. O símbolo do
fascismo italiano era um machado envolto por um feixe de varas. Este símbolo
vinha do Império Romano e representava a autoridade e coesão do
Estado.
O Fascismo foi a
grande novidade política do século vinte. Outras correntes políticas, como
aquelas baseadas no conservadorismo, liberalismo e socialismo, já atuavam, de
forma consolidada, nas últimas décadas do século dezenove. Nesta época, a grande
maioria dos analistas políticos sequer imaginava que um movimento como o
fascismo poderia surgir e ganhar corpo em um momento em que a democracia se
fortalecia na maior parte dos países europeus. Friedrich Engels, companheiro de
Marx, no prefácio da edição de 1895 do livro “A Luta de Classes na França”,
afirmara: “no final do século dezenove nós conquistaremos a maior parte da
classe média, dos pequenos governos e dos operários, e aumentaremos o poder no
campo (....) não há outro caminho para os conservadores senão romper a ordem
democrática.”
Além de
inesperado, o fascismo teve outra característica surpreendente: uma data de
nascimento bem definida. No dia 23 de março de 1919, no salão da Aliança
Comercial e Industrial, na Praça do Santo Sepulcro em Milão, sob o comando de
Benito Mussolini, uma centena de pessoas se reuniu para fundar o movimento.
Faziam parte do grupo veteranos da primeira Guerra Mundial, sindicalistas e
intelectuais nacionalistas.
O programa
fascista apresentava pontos considerados avançados para a época, como a defesa
do voto feminino e do voto aos dezoito anos, o fim da monarquia, a jornada
diária de oito horas de trabalho, a participação dos trabalhadores na gestão das
empresas, a parcial expropriação de toda espécie de riqueza por meio de uma
pesada taxação sobre o capital e a limitação das propriedades da
Igreja.
A ascensão
política do fascismo foi meteórica. Pouco mais de três anos após sua fundação, o
partido já conquistara o poder central na Itália. Na Alemanha, o fascismo,
comandado pelos nazistas, chegou ao poder onze anos depois. Em ambos os países
contou como forte apoio popular e com financiamento dos maiores empresários
locais. Sem o apoio da maioria da população e, sobretudo, das lideranças
políticas, sociais e da burocracia do estado, o fascismo não teria conseguido se
estabelecer por tanto tempo no poder. A situação de descrédito nas instituições
liberais, a crise econômica do pós-guerra e a decadência dos partidos políticos
tradicionais contribuíram para o fortalecimento dessa
corrente.
Ao contrário dos
socialistas e liberais, os fascistas jamais se colocaram como defensores de uma
ideologia definida. Eles contavam com a liderança e voluntarismo de seus
expoentes. Robert Paxton, um dos principais historiadores do tema, em seu livro
“A Anatomia do Fascismo” diz: “O fascismo estava mais ligado a mobilizar as
paixões que moldassem a sua ação, do que a uma bem articulada filosofia. Na base
estava o apaixonado nacionalismo, aliado à conspiratória e maniqueísta visão da
história como uma batalha entre o bem e o mal, entre o puro e o impuro, na qual
a própria comunidade ou nação é a vítima. O fascismo no poder é um composto, um
poderoso amálgama de diferentes, mas misturáveis, ingredientes conservadores,
nacional-socialistas e radical-direitistas, unidos pelos inimigos e paixões
comuns com a finalidade de regenerar, energizar e purificar a nação, ao custo
das instituições livres e do estado de direito”.
Mesmo não
contando com uma ideologia definida, o fascismo apresentava características que
foram estudadas anteriormente por importantes pensadores. Nietzche havia atacado
o moralismo complacente e conformista dos burgueses em nome de uma forte e pura
independência de espírito. Ele idealizara um super-homem de espírito livre,
libertador, independente das crenças. Gustave Le Bon tinha escrito o famoso
livro “A Psicologia das Massas”, que mostrava que o coletivo poderia ter
comportamento diferente dos seus componentes, tomados individualmente. A massa,
portanto, poderia ser facilmente manipulada. Freud descobrira o poder do
subconsciente no processo de pensamento humano, enfraquecendo o pensamento
liberal sobre a independência racional das pessoas. A teoria da evolução de
Darwin contribuiu para justificar a existência de raças privilegiadas, tese
grata aos nazistas. Francis Galton, primo de Darwin, havia desenvolvido a
eugenia, que propagava a seleção dos melhores indivíduos como reprodutores.
Durkheim verificara ser a sociedade moderna uma massa sem laços sociais que
trocou a solidariedade orgânica (laços formados dentro das comunidades, da
família e da igreja), pela solidariedade mecânica (laços formados pela
comunicação moderna da propaganda e da
mídia).
No livro citado
acima, Robert Paxton define algumas característica importantes do fascismo. Diz
ele: “O fascismo pode ser definido como uma forma de comportamento político
marcado pela preocupação obsessiva com o declínio, a humilhação e o vitimismo da
comunidade e pela compensatória cultura da unidade, energia, e pureza, na qual
um partido popular, formado de comprometidos militantes nacionalistas
trabalhando em efetiva colaboração com as elites tradicionais, abandona as
liberdades democráticas e persegue com violência redentora e sem ética ou
restrição legal, objetivos de limpeza interna e expansão
externa”.
Embora tenha
deixado tristes e profundas marcas na primeira metade do século vinte, o
fascismo não pode ser considerado um fenômeno isolado. Esta forma de
autoritarismo encontra-se inoculada no organismo social. Sem uma contínua
vigilância, o enfraquecimento da democracia, motivado por crises econômicas e
morais, pode criar as condições para que o vírus do fascismo volte a se
manifestar e a se fortalecer sob uma nova roupagem. A lição da história deve nos
manter alertas para que nunca mais se repita as terríveis experiências
fascistas, sobretudo sob a forma repudiável do nazismo.
* Alcides Leite é
economista e professor da Trevisan Escola de Negócios
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