Mariana Giraldo |
Pesquisadoras da Unesp de São José do Rio Preto |
[08/08/2012]
Estudo realizado na Unesp de São
José do Rio Preto analisa o comportamento da vogal anterior à sílaba tônica das
palavras quando pronunciadas por falantes do interior paulista.
“Procuro entender quando acontece a variação dessa vogal na fala
e por que essa variação acontece”, resume a doutoranda Márcia Cristina do Carmo,
uma das pesquisadoras.
Sua orientadora, a professora Luciani Ester Tenani, destaca que
esse entendimento, além de contribuições para a produção de materiais para o
ensino de português para estrangeiros, contribui para o aprendizado dos próprios
brasileiros, na medida em que se percebe que as crianças ora escrevem da maneira
como falam, como “piqueno”, “muleque”, ora da maneira que imaginam ser o
correto, como “enfância”, “fogir”.
“Daí a explicação para muitos ‘erros’ ortográficos”, diz
Luciani que, junto com outra orientanda, Marília Reis, publicou um livro sobre o
assunto, disponível gratuitamente em: http://www.culturaacademica.com.br/catalogo-detalhe.asp?ctl_id=202
Um dos fatores que as pesquisadoras identificaram é que, nas
vogais que antecedem uma sílaba tônica, acontece o fenômeno de alçamento
vocálico. Por meio dele, as vogais “e” e “o” são pronunciadas, respectivamente,
como “i” e “u”. Exemplos dessa variação no dialeto do interior paulista são as
palavras “boneca”, que pronunciamos “buneca”, e “menino”, que pronunciamos
“minino”.
Outra característica identificada é que na fala do interior
paulista não acontece o fenômeno do abaixamento vocálico, que é muito comum na
região nordeste. Exemplos desse fenômeno são as palavras “coração” e “menino”,
que no nordeste são pronunciados como “córação” e “ménino'.
Pensando no mapa do Brasil, segundo Márcia, dá para perceber
uma espécie de divisor, uma fronteira geográfica para a ocorrência do
abaixamento da vogal. “Aqui esse fenômeno praticamente não acontece.
A única exceção está em palavras com sufixo ‘-mente’, ‘-inho’,
‘-íssimo’ e ‘-zinho’”, diz. Exemplos seriam palavras como “sozinho” ou
“somente”, pronunciadas por nós com o “o” aberto, isto é, “ó”.
Explicação dos fenômenos - O estudo das
vogais, ao contrário do que se costua pensar, não é um assunto simples e que só
se aprende no ensino primário. Há uma explicação na estrutura das palavras para
a ocorrência ou não dessas variações.
Foi para compreender melhor esses fenômenos que Márcia passou
nove meses na Universidade de NewCastle, no Reino Unido, onde foi orientada pelo
professor Stephen J. Hannahs. Lá, esteve em contato com pesquisadores de vários
países, como Paquistão e Arábia Saudita, todos interessados no estudo de
fenômenos da língua falada.
“As línguas funcionam de maneira parecida e têm muitos
fenômenos em comum. É muito interessante observar isso”, conta.
A explicação para o fenômeno de alçamento vocálico, estudado
pela pós-graduanda, geralmente está em outro processo, chamado de harmonização
vocálica.
Uma regra geral para o que acontece na fala, segundo Luciani, é
assimilar, ou seja, tornar igual. “O falante tende a aproximar os sons no
processo de articulação das palavras, como, por exemplo, aproximar o som da
vogal pretônica ao som da vogal tônica”, explica a professora Luciani. “É a lei
do menos esforço. Os falantes tendem a tornar a articulação dos sons mais fácil.
É mais fácil falar ‘futibol’ do que ‘futebol’, por exemplo”.
Em relação aos verbos, Márcia constatou em sua pesquisa que as
vogais pretônicas mais suscetíveis ao alçamento estavam em formas de verbos da
terceira conjugação, ou seja, aqueles que em sua forma infinitiva terminam em
“-ir”, como “conseguir” e “dormir”.
Alguns exemplos são “conseguia”, que pronunciamos “consiguia” e
“dormindo”, que pronunciamos “durmindo”. “Nesses verbos aconteceu alçamento da
vogal em quase todos os casos que analisamos”, conta Márcia. O que influencia a
harmonização nesses casos, segundo Márcia, é a vogal tônica “i”.
Projeto - A pesquisa de Márcia está vinculada
ao Projeto PROBRAVO – Descrição Sócio-Histórica das Vogais do Português (do
Brasil)–, coordenado pelos professores Seung-Hwa Lee, da Universidade Federal de
Minas Gerais, e Marco Antônio de Oliveira, da PUC de Minas Gerais. O projeto
realiza investigações sócio-históricas e linguísticas sobre as realizações
fonéticas das vogais em diversas variedades do português brasileiro.
Para a análise em sua pesquisa, Márcia utilizou 38 entrevistas
do banco de dados Iboruna, resultado do Projeto ALIP (Amostra Linguística do
Interior Paulista), que conta com amostras de fala espontânea de pessoas do
noroeste paulista. Esse trabalho de coleta de dados foi coordenado pelo
professor Sebastião Carlos Leite Gonçalves, também da Unesp de São José do Rio
Preto, e financiado pela Fapesp.
Mariana Guirado, Unesp de São José do
Rio Preto
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