INSEGURANÇA ALIMENTAR, INJUSTIÇA RACIAL E POBREZA ESTÃO ENTRE AS PRINCIPAIS PREOCUPAÇÕES DOS JOVENS
A carta se divide por temas como ação climática imediata, combate à fome e à pobreza, participação política efetiva, equidade econômica e investimentos justos, além de igualdade de gênero e justiça étnico-racial. Entre as recomendações solicitadas, estão a redução de emissões de gases de efeito estufa e a proteção das florestas a partir do envolvimento das crianças e adolescentes nas decisões climáticas aos níveis local, nacional, regional e global. Em relação à insegurança alimentar, elas reforçaram a criação de políticas que garantem alimentos e assistência para crianças em situação de rua ou deslocadas. “Queremos uma infância em que lutar pela sobrevivência não seja nossa primeira lição de vida. A insegurança alimentar não é uma estatística distante para nós; é uma realidade cruel”, enfatiza Maria Eduarda.
Também são exigidos investimentos em educação e apoio às famílias dos jovens, para que tenham condições e possibilidade de construir um futuro digno, além de combate a estereótipos de gênero, etnia e raça por meio da educação e do apoio econômico de políticas públicas a grupos vulnerabilizados. “Queremos que a infância e a adolescência sejam preservadas em sua plenitude e paz. Esse é o mínimo para construir um presente e um futuro mais justo e um planeta mais sustentável, em que possamos crescer saudáveis e em segurança”, conta Julia.
“AS CRIANÇAS SÃO OS GOVERNANTES DO FUTURO”
“Não podemos normalizar a pobreza, a desigualdade e a exclusão social", ressaltou a Ministra dos Direitos Humanos e Cidadania do Brasil, Macaé Evaristo. “Gostaria de reafirmar a alegria do governo brasileiro em acolher as muitas vozes das crianças de diferentes lugares do mundo nesse momento do G20, que inaugura o G20 Social para trazer ampla participação popular a fim de pensar desafios, soluções e questões do nosso planeta. Ao longo dos últimos 34 anos, o Estatuto da Criança e do Adolescente trouxe avanços significativos. O governo brasileiro assumiu compromisso para pôr fim à violência contra crianças e adolescentes. Na Colômbia, mais de 100 países firmaram compromisso público para enfrentar a violência contra crianças. Estou aqui mais para ouvir do que para falar. Recebi o convite do Save The Children, que atua há mais de um século no direito das crianças, para receber essa carta das crianças, que são os governantes do futuro, que suas solicitações sejam seguidas por quem está no governo do presente para construirmos o planeta do futuro.”
O Ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome do Brasil, Wellington Dias, que lidera a Aliança Global Contra a Fome, cujo lançamento acontece na Cúpula de Líderes na próxima semana, reforçou sobre seu trabalho de educação integral:
“Temos feito um esforço para trabalhar de forma integrada a educação e a alfabetização. Preocupados com a evasão escolar, lançamos o programa Pé de Meia. Como diz o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não podemos dormir tranquilos sabendo que crianças e adolescentes não conseguem dormir pois não têm um copo de leite ou pão. Eu destaco na lista de prioridades a primeira infância e a alimentação escolar. Queremos melhorar a situação de crianças e adolescentes em todo o Brasil. Contem com o Brasil”.
AÇÃO REUNIU 50 MIL CRIANÇAS E ADOLESCENTES DE 60 PAÍSES
A carta apresentada pelas três adolescentes foi fruto de um trabalho conjunto de mais de 50 mil crianças e adolescentes de 60 países, que participaram de uma consulta global conduzida pela Save the Children e pela Plan International no Brasil, em parceria com Joining Forces, Movimiento Mundial por la Infancia (MMI-LAC) e Crianças no G20. O diretor de Programas e Advocacy da Plan International Brasil, Flavio Debique, refletiu sobre a importância de ouvir os outros países que não estão participando do G20:
“Queremos que esse espaço se mantenha não só na África do Sul ano que vem, mas em todos os espaços. A Plan e a Save the Children junto com a Join Forces e o Movimento Mundial Pela Infância fizeram uma consulta global a mais de 50 mil crianças. É importante lembrar a importância do desenvolvimento sustentável para as futuras gerações, mas é essencial notar que as futuras gerações já nasceram e a humanidade tem uma dívida com essas crianças e adolescentes. Citando Gabriela Mistral ‘para as crianças o futuro é hoje’. Os países que não estão no G20 também precisam ser ouvidos”.
Também esteve presente na mesa “G20 e o Direito dos Adolescentes” o diretor Executivo de Política Global, Advocacia e Campanhas da Save the Children, Rotimy Djossaya, que compartilhou que todos precisam ouvir mais as crianças e adolescentes e que todos os governos federais, estaduais ou municipais sejam mais transparentes em relação a suas atividades e prioridades direcionadas ao grupo:
“Estou orgulhoso de estar aqui. Gostaria de agradecer a todos por priorizar essa agenda, estamos falando de crianças, adolescentes, presente e futuro. Eles precisam ser ouvidos e têm muito a dizer. E não apenas temos que ouvi-los, mas amplificar suas vozes. Gostaria de parabenizar o Brasil e a África do Sul. O que precisamos para as crianças é assegurar que o governo diga-as o que vem sendo realizado e o que elas veem como prioridade. Se o mundo se transformar em um lugar melhor para crianças e adolescentes será um espaço melhor para todos. Isso representa o que crianças e adolescentes são capazes de fazer se apenas acreditarmos neles.”
MOVIMENTO CRIANÇAS NO G20
O gerente de Relações Governamentais do Crianças no G20, Renato Godoy, apresentou o Policy Pack, que apresenta sete grandes eixos de defesa dos direitos das crianças e adolescentes, além de um vídeo que chamava a atenção para o momento presente de colocar as crianças no centro das decisões.
“Gostaria de cumprimentar a Alessandra Nilo [Sherpa do G20 no Brasil] por toda a sua liderança à frente do G20 social. Cabe a nós, organizações e movimentos que defendem os direitos de crianças e adolescentes, garantirmos que a participação delas no G20 seja efetiva. Nosso objetivo não se encerra nem no Rio, nem na África do Sul, mas queremos expandir cada vez mais, com os olhos voltados para o sul global onde estão as crianças em maior vulnerabilidade. Nós procuramos apresentar algumas saídas, como a criação de uma liderança global no G20 para que as crianças sejam prioridade. Criamos sete recomendações em sete grandes eixos pensando também no aspecto ambiental e na hipervulnerabilidade de crianças negras, indígenas e deficientes.”
Junto a eles, Sherpas do G20 no Brasil (representantes dos chefes de Estado e de governo dos países membros do grupo) trouxeram o olhar para o grupo Crianças no G20, como Alessandra Nilo.
“O C20 é um grupo responsável por reunir a sociedade civil organizada que luta pelos direitos. Quando li as recomendações das crianças, fiquei feliz de ver como elas são alinhadas com o que buscamos. O C20 foi formalizado em 2013. Esse grupo de crianças traz um diferencial. É uma fase de formação política e no Brasil estamos perdendo essas crianças para a pobreza e para a cultura de violência. Uma das grandes preocupações do C20 é garantir um espaço seguro para essas crianças que não estão seguras dentro de suas próprias casas. Precisamos pensar em estratégias para esses adultos e estabelecer um ciclo de cuidados que as crianças precisam. Queremos formar crianças para serem cidadãos de direito com pensamento crítico e propositivo. Precisamos construir esse ativismo desde a infância.”
Durante a cerimônia foi exibido um vídeo do vice-presidente do Comitê das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, Luis Pedernera, que não pôde estar presente no evento e partilhou seu agradecimento por esse espaço protagonizado pelas próprias crianças e adolescentes.
PARCERIA COM A ÁFRICA DO SUL
Representando a África do Sul, o diretor de Desenvolvimento Econômico do Departamento de Relações Internacionais e Cooperação e coordenador do G20 para a África do Sul, Mongezi Mnguni, revelou que levará as recomendações da carta ao país. “Gostaria de aproveitar a oportunidade para saudar os ministros presentes aqui hoje, Wellington Dias e Macaé Evaristo, para discutir quais são as questões mais importantes das crianças. Vejo esse evento como um compromisso com o futuro. Você não pode falar do futuro sem trazer para a conversa crianças e adolescentes. Estamos falando de futuros líderes. A África do Sul vai levar essas questões da carta em consideração, eu garanto. Garantir que o planeta seja sustentável para futuras gerações”.
O sub-Sherpa do G20 no Ministério das Relações Exteriores, Felipe Hees, concluiu:
“É uma honra falar da importância dos direitos das crianças e adolescentes ao lado dos outros participantes. É necessário ouvir pois não existem governos abstratos. Como a ministra [Macaé Evaristo] falou: ‘são os governantes do futuro falando com os de agora’. É um prazer fazer parte do G20 Social que é uma iniciativa pioneira e estou muito contente em saber que a África do Sul vai continuar nessa parceria”
ÍNTEGRA DA CARTA:
“Nós, crianças e adolescentes de várias partes do mundo, apresentamos essa carta para exigir o reconhecimento dos direitos das crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social e econômica. Suas decisões moldam o presente e o futuro que herdamos, e não podemos aceitar que nossas necessidades e aspirações sejam ignoradas.
Nossas recomendações a líderes do G20 são claras:
1. Ação climática imediata: O impacto das mudanças climáticas é brutal e presente. Secas, queimadas, inundações e poluição destroem nossa saúde física e mental, ameaçam nosso acesso à água limpa e comprometem nossa alimentação, especialmente em comunidades vulneráveis. Exigimos que o G20 atue com prioridade na redução de emissões de gases de efeito estufa, na proteção das florestas e que nos envolva nas decisões climáticas aos níveis local, nacional, regional e global. Nós sentimos na pele a urgência de agir — vocês também deveriam.
2. Combate à fome e à pobreza: A insegurança alimentar não é uma estatística distante para nós; é uma realidade cruel. Crianças negras, indígenas e de comunidades rurais e as meninas sofrem desproporcionalmente com a falta de alimento e oportunidades de estudo. Exigimos políticas que garantam alimentos e assistência para crianças em situação de rua ou deslocadas. Queremos uma infância em que lutar pela sobrevivência não seja nossa primeira lição de vida.
3. Participação política efetiva: Não toleramos mais sermos ignorados e ignoradas. Participamos de reuniões e discussões, mas nossas propostas são frequentemente desconsideradas. Exigimos espaços reais de formação e participação política, acesso à tecnologia e envolvimento em todas as decisões políticas que nos impactam diretamente, inclusive a nível global.
4. Equidade econômica e investimentos justos: A pobreza e a desigualdade nos impedem de crescer com dignidade e oportunidades iguais. Exigimos investimentos robustos em educação e apoio às nossas famílias, para que possamos construir um futuro digno.
5. Igualdade de gênero e justiça étnico-racial: Meninas, crianças e adolescentes negras e negros, indígenas e de comunidades tradicionais enfrentam violência e exclusão diariamente. A educação deve combater estereótipos, e as políticas públicas precisam apoiar economicamente esses grupos. Não toleraremos desigualdade.
Esperamos que esta carta convoque cada um de vocês para a responsabilidade de agir. Exigimos uma transformação real no sistema educacional, equidade, erradicação da fome e da pobreza, justiça climática e programas de financiamento que priorizem o bem-estar de cada criança e adolescente. Queremos que a infância e a adolescência sejam preservadas em sua plenitude e paz. Esse é o mínimo para construir um presente e um futuro mais justo e um planeta mais sustentável, em que possamos crescer saudáveis e em segurança.
Com a força de nossa voz e a firmeza de nossa esperança,
Crianças e Adolescentes da América Latina, Caribe, África, Ásia e Europa
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