quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Manuel Bandeira e o calouro


José Roberto Castilho Piqueira
Vice-Diretor da Poli-USP


O ano de 2014 está começando trazendo Copa do Mundo, eleições e a promessa de muita agitação.

Há, entretanto, um grande número de jovens que, neste começo de ano, está estudando muito e, além disso, passando pela tensão provocada pela realização da segunda fase dos principais vestibulares de todo o país.

Durante muitos anos, acompanhei esse processo, pois lecionei em cursos pré-vestibulares, atividade muito difícil nessa época em que, para os vestibulandos, a ansiedade e a insegurança se exacerbam e o equilíbrio daqueles que os orientam é imprescindível nessa hora.

Os que vencem a barreira do vestibular tornam-se novas pessoas em Fevereiro: motivadas, sonhadoras e prontas para passar para uma nova fase.

Em 1904, Manuel Bandeira, poeta imortal da língua portuguesa, passou por isso. Aos 18 anos ingressou na nossa querida Escola Politécnica, que já existia, antes mesmo da Universidade de São Paulo ser fundada, para fazer o curso de engenheiro-arquiteto.

Entretanto, ainda no primeiro ano, contraiu tuberculose, doença quase fatal na época, sendo obrigado a abandonar tão interessante e promissora carreira.



Ao pensar nisso, lembro-me da preocupação constante com a evasão nas principais universidades brasileiras. Geralmente, suas comissões e colegiados procedem de maneira burocrática, inventando regras, redigindo portarias e procurando com isso gerar números e indicadores que deixem os gestores governamentais satisfeitos.



Ir ao âmago da questão é um pouco diferente. Alunos que entram em universidades de primeira linha, em nosso país, passam por seleção rígida e, não há dúvida, são competentes e estão motivados.



Entretanto, encontram cursos difíceis e, acreditem, cursos de alto nível são me smo difíceis. Têm que enfrentar uma mudança de enfoque: passar de reprodutores de conhecimento para produtores de soluções de problemas mais sofisticados. Isso pode gerar o desconforto de eventuais notas baixas, reprovações em disciplinas ou outros percalços em um ambiente em que a liberdade aumenta muito, mas também a cobrança, que se traduz nos níveis mínimos de aprovação.



A boa estrutura familiar, a capacidade de superação e a ajuda de bons colegas contribuem significativamente para que o curso seja concluído com sucesso. Como isso acontece com a maioria, nos esquecemos das minorias que se perdem pelo caminho.



Os fatores que levam a essas perdas são vários. O principal é a falta de recursos. Engana-se quem acha que a universidade pública só acolhe filhos de gente abastada.


Aos alunos originários de f amílias de baixa renda, o trabalho, difícil de conciliar com os estudos, é uma alternativa importante e, quase inevitavelmente, atrasa disciplinas levando ao constrangimento imposto por regras e portarias que levam à desistência final.



Como no caso de nosso poeta, há, também, as doenças, mas também jovens que se transformam em mães e pais, antes do curso acabar. Há, enfim, uma infinidade de situações que requerem ajuda, para que os talentos não sejam desperdiçados. Nosso país exige o combate ao desperdício, enfermidade crônica análoga à que impossibilitou Manuel Bandeira de concluir a Poli.

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