“Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites,manhãs e madrugadas em que não precisamos de morrer. Então sabemos tudo do que foi e será. (...) Cada um de nós é por enquanto a vida. Isso nos baste.” Morreu hoje, aos 87 anos, José Saramago, em Lanzarote, Ilhas Canárias, onde vivia com sua segunda mulher, Pilar Del Rio. O homem que nunca foi à universidade, porque a família era pobre e não havia meios para isso. O homem que, para sobreviver, fez um curso técnico e tornou-se serralheiro mecânico. No entanto, como tinha paixão pelas letras, passava suas noites na Biblioteca Municipal Central de Lisboa. O homem chamado coragem nasceu em 1922 em Azinhaga, no Ribatejo, Portugal de uma família de pais e avós pobres. O homem que foi funcionário público em Portugal, por décadas. Aos 30 anos começou a fazer traduções, para aumentar sua renda de operário. Auto didata, traduziu Baudelaire, Hegel e Tolstoi, entre outros clássicos. O homem que publicou seu primeiro romance, Terras do Pecado, em 1947, mas só foi reconhecido como um verdadeiro escritor a partir da década de 1980, quando lançou o romance Levantado do Chão. Depois disso, seus sucessos literários se sucederam com Memorial do convento (1982), O ano da morte de Ricardo Reis (1984), A jangada de pedra, (1986) História do cerco de Lisboa (1989) O Evangelho segundo Jesus Cristo, (1991) e Ensaio sobre a cegueira (1995) com o qual ganhou o Prémio Nobel da literatura em 1998. Único ganhador de um Prêmio Nobel em língua portuguesa, José Saramago ajudou, com isso, a estimular as vendas de livros e a aumentar o respeito por quem escreve em português. O homem que, com esse sucesso, fez com que vários outros autores nacionais e da comunidade de língua portuguêsa fossem descobertos e também lidos, o que estimulou os mercados de livros na nossa língua. O homem que nunca escondeu suas ideias, brigou por elas, deixou muito claras suas posições, sem medo de críticas. “Os bons e os maus resultados dos nossos ditos e obras vão-se distribuindo, supõe-se que de uma maneira bastante uniforme e equilibrada, por todos os dias do futuro, incluindo aqueles, infindáveis, em que já cá não estaremos para poder comprová-lo, para congratularmo-nos ou para pedir perdão, aliás, há quem diga que é isto a imortalidade de que tanto se fala”. Autor versátil, ele deixou 20 romances, 3 livros de contos, 5 peças de teatro, 4 livros de crônicas, 3 livros de poesias e um de viagem. Os números, frios, nunca vão explicar a emoção da qual era carregada sua literatura, que fez chorar e rir, que espantou e acalmou, que fez pensar, enfim. “Escrevo para desassogar os meus leitores” disse Saramago em 2009. "Sou um leitor de Saramago desde a minha adolescência. Conheço muito bem a obra dele e foi o escritor que mais me tocou até hoje", revelou. João Tordo, ganhador do Prêmio José Saramago 2009 (com o romance “As Três Vidas” Portugal). Para Tordo, Saramago foi “Um escritor que revolucionou a literatura portuguesa: há um antes e um depois de Saramago. Ele inventou um modo de escrever." O homem que se tornou, antes e por esforço próprio, jornalista, a partir do final de década de 1960. E que trabalhou intensamente na imprensa, no Diário de Notícias, Diário de Lisboa, em A Capital e no Jornal do Fundão, todos portugueses. Em 1975 foi, por alguns meses, diretor-adjunto do "Diário de Notícias". Essa função foi o ponto alto do seu percurso jornalístico e seria fundamental para o seu regresso à literatura e ao romance.. Demitido, decidiu que transformaria a sua vida: seria um escritor em tempo integral. Ele só seria reconhecido como tal três décadas depois de “Terras do Pecado”. Por essa época (1977) surgiu a primeira obra do Saramago exclusivamente escritor: Manual de Pintura e Caligrafia O homem que falava da morte como fim único, pois era ateu. Mas falava da morte sem temor. “Todos sabemos que cada dia que nasce é o primeiro para uns e será o último para outros e que, para a maioria, é só um dia mais”. O homem que escreveu em seu blog, ainda na semana passada: “Acho que todos nós devemos repensar o que andamos aqui a fazer. Bom é que nos divirtamos, que vamos à praia, à festa, ao futebol, esta vida são dois dias, quem vier atrás que feche a porta – mas se não nos decidirmos a olhar o mundo gravemente, com olhos severos e avaliadores, o mais certo é termos apenas um dia para viver, o mais certo é deixarmos a porta aberta para um vazio infinito de morte, escuridão e malogro”. "Escritor de projecção mundial, justamente galardoado com o Prémio Nobel da Literatura, José Saramago será sempre uma figura de referência da nossa cultura. Em nome dos Portugueses e em meu nome pessoal, presto homenagem à memória de José Saramago, cuja vasta obra literária deve ser lida e conhecida pelas gerações futuras. À Família do escritor, endereço as minhas mais sentidas condolências", lê-se numa nota publicada no site da Presidência da República de Portugual, Cavaco Silva. Morreu José Saramago. Foi ele mesmo quem disse: “Há coisas que nunca se poderão explicar por palavras.” Obras Publicadas Poesias Os poemas possíveis, 1966 Provavelmente alegria, 1970 O ano de 1993, 1975 Crônicas Deste mundo e do outro, 1971 A bagagem do viajante, 1973 As opiniões que o DL teve, 1974 Os apontamentos, 1976 Viagens Viagem a Portugal, 1981 Teatro A noite, 1979 Que farei com este livro?, 1980 A segunda vida de Francisco de Assis, 1987 In Nomine Dei, 1993 Don Giovanni ou O dissoluto absolvido, 2005 Contos Objecto quase, 1978 Poética dos cinco sentidos - O ouvido, 1979 O conto da ilha desconhecida, 1997 Romance Terra do pecado, 1947 Manual de pintura e caligrafia, 1977 Levantado do chão, 1980 Memorial do convento, 1982 O ano da morte de Ricardo Reis, 1984 A jangada de pedra, 1986 História do cerco de Lisboa, 1989 O Evangelho segundo Jesus Cristo, 1991 Ensaio sobre a cegueira, 1995 A bagagem do viajante, 1996 Cadernos de Lanzarote, 1997 Todos os nomes, 1997 A caverna, 2001 O homem duplicado, 2002 Ensaio sobre a lucidez, 2004 As intermitências da morte, 2005 As pequenas memórias, 2006 A Viagem do Elefante, 2008 O Caderno, 2009 Caim, 2009 Fonte: CBL : www.cbl.org.br |
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sexta-feira, 18 de junho de 2010
A morte de José Saramago
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